Moro, quando era juiz de primeira instância, ignorou foro privilegiado e conduziu interrogatórios sobre ministro do STJ, acusa ex-delator

Moro, quando era juiz de primeira instância, ignorou foro privilegiado e conduziu interrogatórios sobre ministro do STJ, acusa ex-delator

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Depoimentos de Tony Garcia entregues ao STF detalham ação do ex-juiz sobre autoridades com foro em 2004; Moro diz que nenhuma autoridade com foro foi investigada.

Quando era juiz de primeira instância, em 2004, o atual senador Sérgio Moro conduziu pessoalmente interrogatórios que tinham como alvo ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), integrantes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Tribunal de Contas do Paraná, mostram documentos obtidos por g1 e GloboNews.

Pela legislação, essas autoridades não poderiam ter sido alvo de apuração na primeira instância, onde Moro atuava.

Procurado, o ex-juiz diz que “nenhuma autoridade com foro foi investigada” e que as suspeitas eram de tráfico de influência de terceiros, advogados que vendiam facilidade sem que houvesse participação dos ministros.

São 234 páginas de depoimentos prestados pelo ex-deputado estadual Tony Garcia, que foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) acusar Moro de tê-lo usado para levantar provas contra autoridades que, em tese, não poderiam estar sob a mira da Justiça Federal, mas sim de tribunais superiores.

Os depoimentos fazem parte do material entregue pelo ex-deputado e colaborador da Justiça de Curitiba ao ministro Dias Toffoli, do STF. Garcia quer anular o acordo que fez com Moro. Ele diz ter sido usado pelo ex-juiz para cometer ilegalidades.

Tony, ao fechar o acordo, recebeu, por escrito, “30 tarefas”, que incluíam inclusive o uso de escutas ambientais em encontros com políticos e juristas.

Esse material, também registra o processo, era entregue “em mãos” a Moro, que ainda chegava a debater o andamento do caso pelo telefone com seu réu.

Dentro das 30 tarefas descritas no acordo já havia uma descrição detalhada de suposto esquema de venda de sentenças no STJ, o que não se confirmou posteriormente.

Já ciente do material, pois signatário do acordo, Moro abriu a sequência de depoimentos, no dia seguinte, mirando o STJ.

“Sr. Antônio, [diante] do adiantado da hora, vou colher apenas o depoimento de um ponto específico. Em outra data, nós o ouvimos novamente”, inicia Moro.

“O sr impetrou um habeas corpus no STJ para impedir o andamento ou para obter decisão favorável no caso do Consórcio Garibaldi. O sr. pode me relatar a história desse habeas corpus?”

Em resposta, Tony afirmou que um advogado amigo pediu a ele R$ 600 mil para obter uma decisão favorável no STJ. No ano seguinte, a PGR apresentou denúncia apenas contra esse advogado, que teria vendido uma influência que não tinha sobre a Corte.

Moro seguiu: pergunta se houve relato de que o destinatário era um ministro, como a quantia foi paga, se Tony chegou a encontrar o ministro ou a falar com ele.

Ao todo, são sete páginas de questionamentos sobre o STJ.

Nesse primeiro depoimento, Moro também abordou um segundo assunto: um suposto grampo ilegal que teria sido feito contra ele mesmo.

Nos depoimentos seguintes, Moro indagou o colaborador sobre o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná à época, sobre a cúpula do Tribunal de Contas do Estado, sobre o governador do Estado (que também tem foro no STJ), sobre desembargadores do TRF-4 e sobre deputados federais, como o já falecido José Janene.

O ex-juiz também voltou a inquirir pessoalmente Tony sobre o STJ semanas depois do primeiro depoimento.

Pela lei, apenas integrantes do Supremo poderiam avançar sobre ministros da segunda mais alta corte do país.

Na época, a jurisprudência previa que, uma vez que o juiz de primeira instância tivesse acesso a um relato consistente sobre eventual crime de autoridade com foro, esse relato precisaria ser remetido à autoridade competente. E não mais manejado pela primeira instância, sobre risco de nulidade.

Os dados mostram que Moro não fez isso. O primeiro relato sobre eventual crime dos magistrados que estavam fora do alcance de Moro está na colaboração premiada, assinada dia 15/12/2004.

O segundo, no caso do STJ, em depoimento tomado pelo próprio ex-juiz, dia 16/10/2004. Dias depois, ele repetiu a inquirição sobre o STJ.

Segundo pessoas familiarizadas com o caso, só cinco meses depois uma procuradora com autoridade para tratar do tema apareceu em Curitiba. Era a hoje ex-braço direito de Augusto Aras, Lindôra Araújo.

Procurado, Moro reafirmou que Tony Garcia “é um criminoso condenado”.

Moro explica ainda que as “suspeitas eram principalmente de tráfico de influência, de terceiros que haviam pedido dinheiro a pretexto de entregá-los a autoridades sem que essas participassem dos ilícitos”.

“Uma das pessoas investigadas, aliás, foi condenada exatamente por este crime [o advogado que pediu dinheiro a Tony]. Nenhuma autoridade com foro foi investigada. É oportuno lembrar que os depoimentos foram colhidos perante a autoridade judiciária com a presença de representante do Ministério Público e de defesa.”

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