Professores da USP e Unicamp criam campanha de apoio à Palestina em universidades

Professores da USP e Unicamp criam campanha de apoio à Palestina em universidades

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Em iniciativa conjunta, acadêmicos lançaram manifesto com o objetivo de construir visões críticas sobre questão palestina a alunos e funcionários.

Inspirada à ação global mobilizada em universidades, professores e intelectuais brasileiros criaram uma ‘Rede Universitária de Solidariedade ao Povo Palestino’, nesta segunda-feira (05/02), visando fortalecer a dimensão acadêmica na luta contra o sionismo e à escalada de operações israelenses no território palestino.

O manifesto faz parte de uma iniciativa conjunta entre professores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) voltada, em um primeiro momento, a acadêmicos do estado de São Paulo.

O documento convoca docentes, tanto de instituições de ensino superior públicas quanto privadas, a organizarem comitês em seus respectivos campi universitários para que possam promover ações e campanhas educativas que possibilitem a apuração dos crimes israelenses e esclareçam a opressão enfrentada pelo povo palestino.

O professor aposentado da Unicamp, Caio Toledo, um dos coordenadores da campanha, afirmou a Opera Mundi que é “inaceitável que acadêmicos permaneçam pouco ativos” diante do cenário que classificou como “altamente deprimente”:

“Nós tivemos que mobilizar e criar esse manifesto. Estamos incentivando a que se criem comitês locais que ofereçam atitudes e conhecimento crítico à comunidade de alunos e funcionários de universidades. Seja por meio de debates, intervenções artísticas, textos”.

A mobilização tem como principais tópicos a defesa por um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza e na Cisjordânia ocupada, além de uma condição que impeça o Estado de Israel de cometer genocídio contra os palestinos, tendo em vista “uma humanidade livre de todas as formas de opressão e discriminação”.

Até o momento, mais de 200 profissionais aderiram à criação da rede universitária.

O professor de História Contemporânea pela Universidade de São Paulo (USP), Everaldo de Oliveira Andrade, que é também um dos organizadores do manifesto, explicou a Opera Mundi a necessidade urgente de construir “uma posição correta do cenário internacional”:

“A gente tem um engajamento maior principalmente dos estudantes e dos funcionários das universidades. É uma forma de fazer frente às perseguições e ao constrangimento que existem contra intelectuais, jornalistas e pessoas que têm um pensamento crítico humanista e democrático em relação ao tema da Palestina”, disse Andrade.

O professor também mencionou “liberdade de opinião” como direito fundamental para todas as universidades brasileiras que enfrentam “ameaças instrumentalizadas por agências ligadas ao governo de Israel”.

Além disso, Andrade entende que a criação da rede em dimensão universitária visa combater a “desproporção” de informações – e desinformações – que circulam no Brasil e interferem diretamente no debate público:

“A grande mídia está imunizada por uma política que favorece as opiniões do chamado Ocidente e falta construir dentro do nosso país uma articulação maior entre intelectuais e jornalistas, aqueles que podem oferecer argumentos para defender o povo palestino do massacre humano e também do massacre midiático”, explicou o acadêmico.

Leia aqui o manifesto na íntegra:

Diante do regime de apartheid e da atual política de terror praticada pelo Estado de Israel, justificada de forma incondicional e avassaladora pela mídia empresarial brasileira e mundial, entendemos que a comunidade acadêmica brasileira é desafiada a se posicionar publicamente em defesa da justiça e da verdade histórica. A solidariedade ao povo palestino é uma imprescritível responsabilidade moral e intelectual que se impõe às docentes e aos docentes universitários que têm convicções democráticas, humanistas e críticas.

De imediato, este Manifesto convoca o/as docentes a organizar comitês, em seus diferentes campi universitários, a fim de que promovam ações diversas: debates políticos com pesquisadores e ativistas, atividades artísticas (musicais, teatrais, exibição de filmes) que contribuam para que a comunidade acadêmica – docentes, estudantes e funcionários – seja devidamente esclarecida e sensibilizada pela histórica opressão enfrentada pelo povo palestino e pelo atual massacre a que está sendo submetido. Para a realização destas iniciativas, certamente, devemos buscar o apoio das entidades docentes que nos representam política e sindicalmente.

Neste texto em que anunciamos a criação da Rede Universitária, julgamos que alguns posicionamentos deste coletivo deveriam ser explicitados. De forma breve e sintética, citamos alguns:

· Reiteramos que esta Rede Universitária buscará se associar a todas as entidades democráticas e progressistas da sociedade civil que têm organizado manifestações (atos e debates públicos) em todo o país, defendendo o imediato Cessar-Fogo na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, condição decisiva para estancar o processo de genocídio na região, promovido pelas forças armadas do Estado de Israel;

· Neste sentido, não podemos senão reconhecer as iniciativas da atual política externa brasileira em relação ao conflito em curso. Entre elas: a) a atuação de nossa diplomacia, que no exercício da presidência do Conselho de Segurança da ONU, se empenhou para promover uma solução para a Guerra contra o povo palestino; b) a decisão do governo brasileiro – juntamente com outros países – de se solidarizar com a petição da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça, em Haia, para que determine que Israel cesse imediatamente todos os atos e medidas que possam constituir genocídio ou crimes relacionados nos termos da Convenção de Genocídio; c) saudamos a decisão do governo brasileiro de suspender os acordos militares firmados com Israel durante o governo Bolsonaro, e instamos a que todos os contratos militares e de segurança vigentes com Israel sejam revogados dada a continuidade dos atrozes crimes de guerra contra o povo palestino e os prováveis crimes contra a humanidade ora praticados;

· Em defesa da liberdade de expressão e exercício do pensamento crítico, não podemos senão repudiar todas as ostensivas iniciativas de agências sionistas no Brasil que, na mídia e nas redes sociais, visam censurar o debate público e criminalizar estudantes, intelectuais, políticos, jornalistas, escritores e artistas brasileiros. Em franca oposição à política de terror do Estado de Israel, tais críticos, reiteradamente, têm sido acusados de antissemitas. Política e intelectualmente fraudulenta, a acusação se fundamenta na lógica tortuosa e na má fé com que identificam judaísmo e sionismo. Aos acadêmicos e intelectuais críticos cabe a permanente tarefa de repudiar esta falsificação histórica e teocrática do sionismo em todo o mundo, que consiste em identificar o antissionismo a uma ação antissemita: falsificação esta que vem, desde pelo menos 2016, quando a IHRA (International Holocaust Remembrance Alliance) lançou a sua “nova definição do antissemitismo”. Não aceitamos que se confundam as políticas de um governo ou as práticas de um regime, com qualquer etnia ou religião. O antissemitismo assim como a islamofobia e o racismo devem ser combatidos incansavelmente.

· Embora suscite bastante polêmica dentro das universidades e centros de pesquisas do país, entendemos que as propostas do movimento mundial de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) – defendendo o boicote a bens produzidos em Israel e às suas instituições culturais e acadêmicas –devem integrar nossa específica pauta de lutas na universidade. Reconhecido como um valioso instrumento na luta não-violenta contra o apartheid – na medida em que busca fragilizar o governo de Israel e constranger internacionalmente seus aliados e financiadores –, julgamos que devemos questionar a existência de convênios culturais e acadêmicos que algumas universidades brasileiras mantêm com entidades privadas e oficiais de Israel. O boicote às academias não se estende aos docentes e pesquisadores, que não devem ser punidos pelas ações do Estado e de suas instituições, e que, muitas vezes, são solidários à luta de libertação nacional do povo palestino.

Como professores e professoras que têm convicções críticas, democráticas e humanistas devemos afirmar que o conflito entre israelenses e palestinos não nos interessa. Defendemos a necessidade de garantir ao povo palestino e suas lideranças o pleno exercício do seu direito à libertação nacional. Defendendo uma humanidade livre de todas as formas de opressão e discriminação, somos pela fraternidade entre os povos e nações, por um futuro comum, de paz, democrático e laico em toda a região.

Brasil, 5 de fevereiro de 2024

Ópera Mundi

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