Reação internacional à tentativa de golpe no Brasil mostrou sincronia que raramente se viu

Reação internacional à tentativa de golpe no Brasil mostrou sincronia que raramente se viu

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Por Paulo Abrão*, em Washington Brazil Office

A tentativa por ora frustrada de golpe de Estado no Brasil, no dia 8 de janeiro, foi rechaçada com relativa efetividade por um amplo conjunto de forças democráticas.

Essas forças são compostas primordialmente por atores nacionais, que contaram e devem seguir contato com um valoroso apoio internacional.

Como raras vezes se viu, houve, no dia seguinte às invasões na Praça dos Três Poderes, uma forte convergência entre os líderes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além dos governadores das 26 unidades da Federação e os líderes das associações de prefeitos.

De forma coordenada, uníssona e coesa, a República respondeu com força, por meio das instituições e pessoas que a compõem, independentemente de suas diferenças partidárias e político-ideológicas.

O presidente Lula teve um papel de estadista ao liderar uma simbólica reunião entre todos esses atores, na segunda-feira, dia 9 de janeiro, num Palácio do Planalto ainda marcado pela destruição, em Brasília.

Em seguida, num gesto de enorme poder imagético, ele desceu a rampa do palácio presidencial – a mesma que ele havia subido como presidente, no dia 1º de janeiro – acompanhado, desta vez, por todas as autoridades relevantes do país, que caminharam juntas na direção da sede do Supremo Tribunal Federal, cujo edifício histórico havia sido violentamente vilipendiado pelos bolsononaristas na véspera.

A reação coesa dessas forças nacionais foi fundamental como resposta a esta tentativa de golpe de Estado.

Mas a reação brasileira, coordenada e conduzida dentro do país, por seus atores nacionais, contou com um respaldo externo fundamental.

No mesmo dia dos ataques extremistas à capital, líderes do mundo inteiro usaram suas redes sociais e, em seguida, os canais diplomáticos tradicionais, para condenar o movimento golpista e reiterar o apoio a Lula e à democracia brasileira.

Não há registro conhecido de nenhum governo do mundo que tenha colocado em dúvida a legitimidade do mandato de Lula ou que tenha dado razão ao movimento de extrema direita que recém havia ataco dos três Poderes.

Nem mesmo expoentes dessa nova extrema direita populista, como a primeira-ministra da Itália, Girogia Meloni, ousaram penhorar apoio a Bolsonaro e a seus seguidores naquele momento.

Em seguida, pelo menos outros dois movimentos internacionais tiveram destaque, ambos no dia 11 de janeiro.

Primeiro, um grupo de mais de 60 parlamentares brasileiros e americanos assinaram uma declaração conjunta alertando para as ameaças de uma extrema direita que age de forma coordenada nos dois países.

Além disso, o grupo binacional pediu responsabilização dos envolvidos nessas ações de desestabilização da democracia.

No mesmo 11 de janeiro, outro grupo parlamentar – desta vez, formado apenas por americanos – entregou ao presidente dos EUA, Joe Biden, uma carta pedindo a revogação do visto de Bolsonaro nos EUA.

O grupo também pediu que o ex-presidente brasileiro seja investigado para determinar se ele tramou contra a democracia brasileira a partir do território americano, para onde foi no dia 30 de dezembro, sem passar formalmente o cargo para Lula.

Todas essas ações internacionais mostram uma sincronia e uma coesão de princípios democráticos como raramente se viu.

Mesmo que nem todas essas ações tenham sido coordenadas a partir de um único centro, elas revelam enorme coerência entre si, guardadas as nuances naturais entre os diferentes atores e suas organizações.

O WBO teve um papel influente em algumas dessas iniciativas. A organização trabalhou para aproximar os congressistas americanos e brasileiros para a redação da declaração conjunta na qual alertam para os riscos que a extrema direita de ambos países representa para a democracia.

Em seguida, o WBO participou da articulação da carta dirigida a Biden, na qual pede-se uma investigação nos EUA sobre o papel do ex-presidente brasileiro nos atos antidemocráticos, além da revogação de seu visto.

Esse papel do WBO não é novo. Há seis meses, a organização levou a Washington um grupo de representantes de 19 organizações da sociedade civil brasileira, que foram alertar membros do Departamento de Estado e congressistas americanos sobre os riscos que Bolsonaro representava ao sistema eleitoral e à democracia como um todo.

Em grande medida, essa enorme rede de solidariedade internacional em relação à democracia brasileira já estava energizada e articulada, o que permitiu essa reação rápida diante de fatos extremos.

A invasão dos prédios que estão na Praça dos Três Poderes, em Brasília, poderia facilmente ter basculado na direção de um desfecho ainda mais trágico, como a concretização de seu objetivo maior, que era de depor um governo legítimo, sem contar o risco de mortos e feridos.

Os fatos reforçam a importância de um trabalho permanente, articulado, persistente e competente para conectar não apenas os parlamentares dos dois países, mas também a sociedade civil, que está na vanguarda da proteção desses direitos.

WBO seguirá ocupando esse espaço de conexão e ampliando sua atuação como provedor de conhecimento qualificado sobre o Brasil e como um conector entre os atores relevantes, que têm um papel estratégico a desempenhar nesse momento tão importante da consolidação da democracia brasileira.

*Paulo Abrão é diretor-executivo do WBO (Washington Brazil Office). De 2016 a 2020, foi secretarário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA)

Paulo Abrão, ex-secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em imagem de arquivo.JOSÉ CRUZ (AGÊNCIA BRASIL)

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