Atos antidemocráticos são ‘herança maldita’ de Bolsonaro e criam novo desafio para o Brasil

Atos antidemocráticos são ‘herança maldita’ de Bolsonaro e criam novo desafio para o Brasil

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Presidente estimulou manifestações a favor de golpe de Estado e país terá de lidar com isso.

Quando sair da Presidência, Jair Bolsonaro (PL) deixará como herança maldita as mobilizações de pessoas que pedem golpe de Estado, um tipo de iniciativa que, nas últimas décadas, não existia no Brasil com a força e a coordenação vistas desde o final da eleição.

Lidar com essa novidade não será fácil. Demandará tempo, porque não se constrói uma cultura democrática de uma hora para a outra; exigirá esforço, porque Bolsonaro passou anos estimulando os radicais; precisará de ação judicial, porque a impunidade incentiva atos dessa natureza.

Para a antropóloga Isabela Kalil, não há surpresa no novo cenário, com o bloqueio de rodovias após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os protestos em que grupos de diferentes tamanhos cobram intervenção militar em frente a quartéis.

Bolsonaro foi treinando seus eleitores para isso. Ele realizou atos antidemocráticos ao longo do governo. Viajou pelo país fazendo exercícios de mobilização da base”, afirma Kalil, que conduz pesquisas sobre o bolsonarismo.

“A gente conseguiu observar como isso foi se fragmentando e se interiorizando, inclusive com o financiamento de pequenos e médios empresários locais”, diz.

Professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e co-coordenadora do Observatório da Extrema Direita, Kalil sustenta que Bolsonaro ensaiou esses atos com uma multidão já predisposta a seguir um líder extremista.

“Ele construiu sua carreira a partir dessa base radicalizada, porque suas falas expressavam ideias antidemocráticas”, afirma, citando como exemplo a declaração em que Bolsonaro defende o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Kalil diz ser difícil precisar o tamanho desse segmento extremista, mas ela afirma que está entre 5% e 15% do eleitorado, ou algo entre 7,5 milhões e 23 milhões de pessoas. O que significa dizer que se trata de um grupo com muita gente diferente.

Segundo a antropóloga, dada essa diversidade, não há como enfrentar o radicalismo com uma estratégia única, e a tarefa é ainda mais complexa porque existe um obstáculo de comunicação.

“Essas pessoas têm sido instruídas a não se informarem por canais tradicionais. Foram-se criando canais alternativos, e elas confiam apenas neles”, diz.

Um dos problemas dessa dinâmica, de acordo com Kalil, é que os mais extremistas podem se descolar até do presidente –mas, para ela, isso não o exime de responsabilidade.

“Ele pode não controlar a radicalidade, mas passou anos incitando seus apoiadores”, afirma a antropóloga. “Ele de certa forma autorizou essa conduta. Ele tirou a trava. Eliminou o constrangimento que existia na direita radical, no campo antidemocrático.”

*Uirá Machado/Folha

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