Com três páginas, a declaração de estado de sítio encontrada foi escrita como uma espécie de apresentação de argumentos que justificariam uma ruptura institucional. No documento, encontrado no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o autor do texto cita diversas referências, que vão de juristas a filósofos.
As citações estão concentradas em um parágrafo, logo após a apresentação de exemplos sobre supostos abusos dos Tribunais Superiores. No texto, o autor aponta que essas decisões são ilegítimas, ainda que sejam “aparentemente legais e/ou supostamente constitucionais” e que colocariam em evidência a necessidade de restauração da segurança jurídica e de defesa às liberdades em nosso país.
Entre as ideias que justificariam isso, segundo o autor, estariam desde a citação de Aristóteles, filósofo grego da Antiguidade, que defendia “dar a cada um o que é seu”, como definição de justiça e princípio de direito.
Outro autor citado pelo autor foi o filósofo católico Tomás de Aquino que, de acordo com o texto, defendia a necessidade de “resistência às leis injustas”. Por fim, o autor cita um jurista alemão, Otto Bachof, que defendeu a possibilidade de controle das normas constitucionais inconstitucionais, e a existência de um direito natural, acima da Constituição e de suas normas.
Essas ideias, aponta o texto, é o que justificariam a legalidade de uma ruptura institucional, para assegurar uma suposta “restauração do Estado Democrático de Direito”.
Segundo o professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Daniel Tourinho Peres, os argumentos apresentados no texto não se sustentam filosoficamente e, no caso de Tomás de Aquino, está incorreta, já que cita o filósofo como representante do Iluminismo, quando, na verdade, ele viveu durante a Idade Média, período que precedeu o Iluminismo.
— A afirmação de Aristóteles se dá como uma definição de justiça distributiva, não vejo como pode se prestar a justificar um estado de sítio. Já a afirmação de Tomás de Aquino, que de modo algum é um pensador do Iluminismo, é um autor medieval, se coloca no contexto de uma resistência à tirania, não à justificação de um estado de sítio — afirma.