Projeto de lei que autoriza privatização da Sabesp é aprovado na Alesp por esmagadora maioria de votos: 62 x 1

Projeto de lei que autoriza privatização da Sabesp é aprovado na Alesp por esmagadora maioria de votos: 62 x 1

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Às pressas e com lacunas apontadas por parlamentares da oposição, o Projeto de Lei (PL) que autoriza o governo de São Paulo a privatizar a companhia estadual de água e saneamento, Sabesp, foi aprovado na Assembleia Legislativa paulista (Alesp) nesta quarta-feira por 62 votos favoráveis e apenas um contrário. Com a vitória no Legislativo, a expectativa do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) é tirar a desestatização do papel até meados de 2024. Parlamentares da oposição não participaram da votação, diz O Globo.

A sessão foi marcada por confronto entre policiais militares e manifestantes contrários à desestatização. Os PMs agiram com cassetete e spray de pimenta depois de parte do público tentar derrubar o vidro que separa a galeria (onde está a plateia) do plenário, onde ficam os deputados.

Em vídeos divulgados nas redes sociais, é possível ver pessoas ensanguentadas e passando mal depois da ação policial. Com a confusão, o presidente da Alesp, André do Prado (PL), decidiu suspender temporariamente a discussão e esvaziar o plenário. A sessão foi retomada 1h30min após o confronto, às 20h.

Deputados da oposição não participaram da votação. Em entrevista coletiva enquanto a votação ocorria, o deputado Paulo Fiorilo, líder da Federação PT/PCdoB/PV, disse que seria impossível voltar ao plenário, em razão do gás lacrimogêneo que se espalhou por todo o local. Ele citou os casos da deputada Paula Nunes (Psol), que está grávida, da deputada Monica Seixas (Psol), que sofreu um aborto recentemente, e de Leci Brandão (PCdoB) e Eduardo Suplicy (PT), parlamentares idosos.

— Nós achamos que é impossível continuar esse processo do jeito que está o plenário agora. É um equívoco continuar o processo hoje — disse Fiorilo.

A venda da Sabesp é uma das principais bandeiras da gestão Tarcísio, além do maior desafio que ele enfrentou na Alesp neste primeiro ano de mandato. Embora o governo tenha maioria confortável de deputados, o projeto de privatização passou por momentos de incerteza na Casa, sobretudo depois do apagão que deixou 2,1 milhões de paulistas sem luz por quase uma semana, colocando em xeque a eficácia da desestatização da Enel, empresa de energia que atende a capital e a região metropolitana.

Depois do episódio, o governo entrou em campo para garantir os votos necessários. Tarcísio fez uma série de reuniões com deputados nos últimos dias, uma delas na terça-feira, com a recém-criada bancada bolsonarista, criada após atritos com o governador. Na Alesp, a resistência ao PL se limitou aos partidos de esquerda, mas não foi páreo para o rolo compressor do Palácio dos Bandeirantes.

Do lado de fora do prédio da assembleia, manifestantes protestaram contra o avanço da medida. Eles acusavam sobretudo o que consideram ser uma inconstitucionalidade do projeto — que deveria, na visão deles, ser uma proposta de emenda à Constituição (PEC), o que elevaria o quórum mínimo de aprovação, e não um projeto de lei ordinário. Alertavam também para os riscos de aumento da tarifa e uma eventual precarização dos serviços.

O sinal verde dos deputados para a venda da estatal de saneamento ocorre após a tramitação acelerada na Casa. O PL deu entrada na Alesp no dia 18 de outubro, em regime de urgência. Depois, passou por apenas uma audiência pública e foi analisado de forma conjunta, e não individual, pelas comissões de Constituição, Justiça e Redação; Finanças, Orçamento e Planejamento; e Infraestrutura, numa estratégia justamente de encurtar as deliberações. O governo entendia que aprovar o PL no ano que vem seria mais difícil, em função da eleição municipal.

O projeto foi o epicentro das últimas mobilizações sindicais que chacoalharam São Paulo. Em outubro e em novembro, a capital paulista foi palco de uma greve unificada de servidores do Metrô, da companhia de trens (CPTM), de estudantes da USP, da Fundação Casa e da própria Sabesp, embalados pelo temor com o ritmo do processo de privatização da companhia.

Fundada em 1973, a Sabesp tem valor de mercado de R$ 46,56 bilhões e teve um lucro líquido de R$ 743,7 milhões no segundo trimestre de 2023, alta de 76,1% em relação ao mesmo período do ano anterior. Suas ações tiveram aumento de 14,81% no último ano. A companhia atende a 366 dos 645 municípios do estado.

A Alesp autorizou a venda da Sabesp sem saber ainda detalhes importantes da privatização, como o valor pelo qual a empresa será vendida e a qual será a participação do estado após a desestatização.

O governo fala em reduzir a participação dos atuais 50,3% para algo em torno de 15% e 30%, mas o martelo só será batido no início de 2024, após a conclusão da Fase 1 do relatório feito pela International Finance Corporation (IFC), consultoria ligada ao Banco Mundial contratada pelo governo para analisar a viabilidade da venda. Nesta mesma etapa será feita a precificação da operação.

A secretária Natália Resende (Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística) disse ao jornal que o valor da venda não precisa estar no Projeto de Lei e depende ainda de conversas com municípios e do percentual de redução tarifária, ainda em estudo.

Outra questão que será definida no início do próximo ano será o tipo de oferta: primária, secundária ou uma combinação de ambas. Ou seja, se haverá emissão de novas ações aos investidores, venda de ações já existentes, do próprio estado, ou as duas coisas juntas.

O próximo passo depois da aprovação do projeto na Alesp é a elaboração de um contrato junto aos municípios atendidos pela Sabesp. O governo ainda prevê uma etapa de audiência pública e consulta para vender a companhia.

Com a privatização, Tarcísio espera ampliar a capacidade de investimento da Sabesp, de R$ 56 bilhões, previstos até 2033, para R$ 66 bilhões, e antecipar em quatro anos (de 2033 para 2029) a universalização do saneamento básico no estado.

O governador ainda quer reduzir a tarifa de água de toda a população, em especial a mais vulnerável. Isso será feito a partir da criação do Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo (Fausp). O estado vai destinar 30% do lucro líquido obtido com a desestatização para o fundo, além dos dividendos recebidos ano a ano. Os outros 70% ainda não estão carimbados, mas devem ser destinados a outras áreas, como Saúde, Educação e Segurança Pública.

Os recursos do Fausp deverão ser usados também em ações de saneamento básico e em situações de emergência ou calamidade pública causadas por eventos climáticos.

O modelo de privatização escolhido foi o follow-on – uma oferta pública de ações, tendo ainda a inclusão da golden share, espécie de ação de classe especial que dá poder de veto ao governo em decisões estratégicas do conselho de administração da companhia, incluindo mudanças no nome da empresa, sede e objeto social.

Para especialistas ouvidos, o modelo acaba sendo menos atrativo para operadores de saneamento. O mais provável é que fundos de investimento se interessem pelo negócio.

Principais pontos do Projeto de Lei aprovado na Alesp:

  • Modelo: follow-on (oferta pública de ações de uma empresa que já está na bolsa de valores);
  • “Golden share”: governo terá poder de veto em decisões estratégicas do conselho de administração da companhia. Também poderá barrar mudanças no nome da empresa, sede e objeto social;
  • Participação estatal: entre 15% e 30%;
  • Novo Fundo: destinado a prover recursos para ações de saneamento básico, inclusive voltadas à modicidade tarifária no setor;
  • Tarifa: governo promete redução da conta com foco na população vulnerável;
  • Investimento: governo quer investir R$ 66 bilhões, R$ 10 bilhões a mais do que o previsto, até 2029;
  • Meta: antecipar a universalização do saneamento de 2033 para 2029, incluindo as áreas rurais e as urbanas irregulares.

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