Por que fantasiar interpretações bíblicas ao conflito Israel-Palestina é um erro historiográfico? Entenda

Por que fantasiar interpretações bíblicas ao conflito Israel-Palestina é um erro historiográfico? Entenda

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É muito comum ver fantasias pseudo-historiográficas no que se refere ao conflito Israel-Palestina e estas tentativas de se falsificar a História quase sempre pendem para atender interesses políticos poderosos que pertencem à máquina de dominação Ocidental sobre o continente asiático. O conflito suscita repentinamente uma horda de “especialistas” bíblicos que, em grande medida, abrange uma gama de intérpretes protestantes e destes, em particular, os neopentecostais que transformaram a fé religiosa em business. A apropriação da narrativa política é um ativo disputado por quem depende do marketing e propaganda para ampliar seus lucros financeiros. É grave quando disciplinas como História e Geopolítica servem como muletas legitimadoras de organizações e seitas religiosas para manter vivo um mundo paralelo no imaginário acrítico e vulnerável dos fiéis, que não acostumados com os assuntos abordados, acatam qualquer retórica apaixonada em detrimento da racionalidade.

O conteúdo religioso sobre a política da Palestina remonta, na grande realidade, ao movimento protestante europeu que muito antes de Theodor Herzl e o surgimento do movimento do Sionismo, já pregavam o retorno dos judeus para a Palestina como um fato predecessor do Apocalipse. A crença dominante dos protestantes que pendiam mais ao puritanismo (ou seja, a interpretação literal dos versos bíblicos – em particular do Velho Testamento) era de que o retorno dos judeus à “Terra Prometida” seria um fato predito nos textos sagrados e que o apocalipse bem como o retorno de Jesus a partir deste evento seriam “iminentes”. A base dessa interpretação parte única e exclusivamente da fé religiosa – não se trata de uma análise racional da Historiografia nem do Oriente e muito menos do Ocidente já que, muitos supostos estudiosos da problemática palestina se quer analisam a dimensão dos interesses econômicos históricos presentes no domínio do espaço geográfico asiático – em particular após a Revolução Industrial.

Certamente, as interpretações dos movimentos protestantes sobre a realidade política em contraste com os versos sagrados bíblicos ganhou enorme força a partir dos séculos XVII e XVIII quando inúmeras nações industrializadas da Europa e, posteriormente, a Nova Inglaterra (EUA) passam a ganhar influência política para além dos seus domínios territoriais, em busca dos mercados consumidores, mão-de-obra e matérias-primas. Essas ideologias místicas do protestantismo – em particular o Calvinismo que foi extremamente dominante na Nova Inglaterra (EUA) – pouco a pouco ganharam adesão entre muitos dos imigrantes judeus em todo o Mundo. É muito provável que o Sionismo (movimento nacionalista de retorno dos judeus à Palestina) fundado por Theodor Herzl no século XIX tenha sido amplamente influenciado pelas ideologias calvinistas. É claro que os fatos históricos que se seguiram ao século XIX, em particular o antissemitismo virulento da Europa que culminaria no século XX com os horrores do Holocausto foi decisivo para a Partilha da Palestina e posterior criação do Estado moderno de Israel mas jamais devemos perder a perspectiva que o Sionismo recebeu fortes influências de fiéis protestantes que enxergam o Mundo sob a ótica do Puritanismo religioso.

Desta forma, devemos compreender que não somente os árabes são vítimas da dominação e repressão ocidental como os próprios judeus que são duplamente vítimas – primeiro por terem sido massacrados na Alemanha Nazista que recebeu apoio de banqueiros e capitalistas europeus até as vésperas da II Guerra Mundial (vide o papel de indústrias como BMW, Bayer, Thyssen Krupp, Mercedes-Benz e etc) e para além destes, o centro do poder econômico em Londres via no Nazismo um freio nas aspirações internacionalistas da então União Soviética às vésperas da II Guerra Mundial. Como esquecer do encobrimento da grande indústria capitalista na perseguição aos judeus no século XX? E agora, como esquecer que interesses ocidentais estão por trás da polêmica criação do Estado de Israel em 1948 quando judeus e árabes foram colocados uns contra o outros num istmo menor que o Estado do Rio de Janeiro? Judeus são vítimas duas vezes da sanha ambiciosa do Imperialismo ocidental.

Pensadores como o palestino Edward Said são fundamentais para desmascarar as tentativas de se falsificar a História do Oriente a partir de sua análise sobre o “Orientalismo”, ou seja, a versão que os europeus dão à História do Oriente e como estes moldam o destino de povos deste continente com base em pseudociência. O papel dos historiadores modernos é combater esta sociopatia que reduz assuntos políticos sérios a interpretações românticas e ficcionais sobre as disputas de poder emergentes na periferia do Mundo. Em essência, a problemática da Palestina é exatamente a mesma vista em outras partes do Planeta Terra, um dos melhores exemplos, talvez, seja a própria Guerra da Ucrânia que é contemporânea aos atuais embates do istmo da Palestina. O que diferencia o problema da Palestina ao da Ucrânia é a fantasia religiosa carregada em torno de um território-base do surgimento de três grandes religiões monoteístas do Planeta Terra: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo.

Em suma, a História é a ciência dos homens no tempo e em nenhum momento deve ser interpretada à ótica de superestruturas ideológicas (religiosas ou não) que partem dos variados componentes na disputa pelo poder. A única certeza que podemos ter sobre a História da humanidade é aquela que demonstra empiricamente que o conflito de classes tem se tornado cada dia mais cristalino à medida que os muitos sistemas econômicos ascendem, se consolidam e decaem que é exatamente o que estamos testemunhando neste início do século XXI com a Crise Histórica do Capital. Colocar este dado em análise na Historiografia não é nenhuma fuga ideológica como querem fazer os detratores do Marxismo e sim, colocar em relevo um dado real e empírico. Sobre a Guerra Israel-Palestina, não é nem um pouco recomendável praticar anacronismo histórico e bíblico porque ao fazê-lo encobrimos o verdadeiro cerne da questão que é a luta dos interesses materiais de classes poderosas sobre uma imensa maioria explorada.
 

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