Tributação, multas a serem pagas e rendimentos: saiba o que Bolsonaro pode fazer com R$ 17 milhões

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O ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu R$ 17,2 milhões por meio de transações de Pix, que, de acordo com dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), “provavelmente” teriam origem em uma campanha de arrecadação para pagar as multas recebidas por ele na pandemia. As operações foram realizadas entre 1º de janeiro e 4 de julho deste ano, período em que sua chave Pix foi divulgada nas redes sociais de ex-ministros do seu governo e de parlamentares do PL para impulsionar a campanha de arrecadação. Os recursos, no entanto, não podem ser apenas embolsados: sobre eles incidem tributações que são de responsabilidade do donatário.

Multas e sobras

Ainda de acordo com o relatório do Coaf, as doações recebidas pelo ex-presidente tinham “provavelmente” relação com a campanha de arrecadação feita por seus apoiadores para quitar multas que o ex-presidente recebeu em meio à pandemia da Covid-19. Ao todo, Bolsonaro soma R$ 936.839,70 em multas por não usar máscara de proteção em atos públicos em São Paulo. Os casos foram levados à Justiça pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) diante da falta de pagamento.

A obrigatoriedade da utilização do dinheiro para o pagamento dos débitos é ponto de debate entre os juristas. O advogado Diego Pereira lembra que há episódios em que, quando são feitos movimentos de recolhimento de recursos com objetivos definidos, como cirurgias ou doações, e a destinação é diferente, pode ser caracterizada má-fé. Para ele, caso sobre dinheiro em conta depois que o político pagar o que deve, nada o impede de ficar com aqueles recurso e gastá-los como bem entender.

“Quando a pessoa divulga um crowdfunding, uma vaquinha, e vincula o objetivo daquela arrecadação a um determinado uso e depois desvia os recursos daquela finalidade originária, isso pode ser enquadrado como um gesto de má-fé. Mas nada existe na legislação que a impeça de dispor do excedente, do valor que sobrar”,  explica o advogado.

Já Carlos Lube avalia que as transações de apoiadores para Bolsonaro não são doações com encargos, quando o doador impõe a quem recebe a obrigatoriedade de aplicar o dinheiro em determinado fim.

— Há, sim, um mote, o pretexto das multas, mas não me parece que há uma convenção entre os doadores e o donatário de que esses valores tenham que ser usados exclusivamente para o pagamento das multas, o que normalmente se celebra por contrato escrito ou verbal. Não há como presumir o encargo — justifica o criminalista.

Impostos

O ex-presidente deve recolher imposto sobre os valores recebidos. Segundo o advogado tributarista Diego Pereira, as quantias podem ser declaradas como doações identificadas, e neste caso, o ex-presidente precisará indicar nomes e CPFs de doadores em sua declaração de Imposto de Renda anual, ou rendimentos em seu patrimônio.

Os recebimentos de autores identificados passam a configurar doações para fins tributários e estão isentos de Imposto de Renda. No entanto, a pessoa que recebeu o recurso passa a ser responsável pelo pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), uma tributação que varia de acordo com a legislação de cada estado, com alíquotas entre 4% e 8% do valor recebido.

No caso de doações provenientes de moradores do Rio de Janeiro, por exemplo, existe um limite de isenção de R$ 46.029,37. Assim que o montante de Pix de moradores do estado somado superar esse valor, a pessoa beneficiada deve gerar junto à Secretaria de Fazenda do estado a guia para recolhimento do tributo.

“Os valores que não puderem ter o seu doador identificado têm que ser recebidos e admitidos como rendimento tributável pelo Imposto de Renda. Nesses casos, o recolhimento de tributos deve ser feito através do Carnê-leão, conforme as alíquotas da tabela de pessoa física”, explica Diego Pereira.

Para as transferências sem identificação, o pagamento deve ser feito no mês seguinte ao recebimento, e, mesmo em caso de doações de valores baixos. O donatário deve somar todos os valores recebidos que serão incluídos em seu patrimônio como rendimentos e, caso superem a faixa de isenção, atualmente fixada em R$ 2.112, recolher o imposto de renda dos rendimentos mensais.

Diego Pereira explica ainda que, caso os pagamentos não sejam feitos, a pessoa que recebeu as doações pode responder criminalmente.

— Se não houve a declaração do recebimento dos recursos, está em curso um crime de sonegação fiscal. E se o donatário declarou o recebimento e não pagou os tributos, está sujeito a recolhimento dos valores devidos com multa — afirma.

Rendimentos 

O relatório do Coaf identificou ainda que Bolsonaro, no mesmo período em que recebeu R$ 17,2 milhões em doações via Pix, aplicou R$ 17 milhões em títulos de CDB e RDB. As modalidades de investimentos em renda fixa podem dar de retorno ao ex-presidente até R$ 5 mil por dia, levando em conta um título com valorização atrelada à taxa básica de juros, a Selic, hoje fixada em 13,75% ao ano.

Para o advogado criminalista Carlos Lube, na prática, não haveria irregularidade, desde que os impostos referentes às doações fossem pagos; e o valor, incorporado ao patrimônio do recebedor.

— Se admitirmos como premissa prática que a origem desses valores resulta de mera liberalidade dos apoiadores do ex-presidente, não há relevância penal em receber e em dar um destino a esses valores, porque eles passam a ser do donatário — avalia o advogado criminalista Carlos Lube.

Ele pontua, no entanto, a necessidade de maior atenção para a origem das doações.

— Temos que ter cautela com essas campanhas de doações para políticos. Se não houver ponderações, vamos ver essas séries de Pix, essas doações sem uma origem determinada, servindo para propósitos ilícitos; para mascarar e dissimular a origem do dinheiro e incidir na prática de lavagem de dinheiro — pondera, ressaltando que não há indícios que sugiram qualquer ilícito nos valores recebidos por Bolsonaro até o momento.

* Folha de Pernambuco

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