Para entender o bolsonarismo e a besta das ruas, por Luís Nassif

Para entender o bolsonarismo e a besta das ruas, por Luís Nassif

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Que fenômeno é esse em que inteligências inferiores trazem para seu nível as superiores, e abdicam de valores pelo clamor das massas?

Luis Nassif*

Em um pequeno livro de Sigmund Freud – “Psicologia de Massas” – está o roteiro mais preciso para a tecnologia dos algoritmos e da criação de ondas de linchamento. Certamente foi o ponto de partida para a Cambridge Analytics montar sua estratégia de influenciar as massas.

Na idade média, as massas surgiram no bojo das Igrejas, contra os ateus. Na Revolução Francesa, as massas derrubaram um regime. A partir da criação da mídia corporativa, os movimentos de massa passaram a influenciar – e a serem influenciados – pelos jornais, rádio e TV.

Que fenômeno é esse em que as inteligências inferiores trazem para seu nível as inteligências superiores, em que os indivíduos abdicam de seus valores, raciocínio, para se integrarem ao clamor das massas?

Trata-se de um fenômeno que pega a todos, do mais bronco ao mais preparado. Do monstro das ruas, do movimento de gado, não escaparam Ministros do Supremo, procuradores, jornalistas conceituados, advogados, militares, todos irmanados em um discurso de ódio, tratando de surfar nas ondas e igualando-se às piores bestas feras das sociedade.

Como pode-se conferir, o cimento que une as massas são os sentimentos mais baixos, o ódio, a força.

Alguns trechos do livro.

A massa psicológica é um ser provisório constituído por elementos heterogêneos que por um momento se ligaram entre si, exatamente como por meio de sua união as células do organismo formam um novo ser com qualidades inteiramente diferentes daquelas das células individuais”.

A massa é extraordinariamente influenciável e crédula; é desprovida de crítica; para ela, o improvável não existe. Ela pensa por imagens que se evocam associativamente umas às outras, tal como ocorre ao indivíduo nos estados do livre fantasiar, e nenhuma instância razoável afere sua correspondência com a realidade. Os sentimentos da massa são sempre muito simples e muito exagerados. Assim, a massa não conhece nem a dúvida nem a incerteza.

Bem, mas o mais notável e ao mesmo tempo o mais importante fenômeno da formação de massas é a intensificação da afetividade produzida em cada indivíduo. ode-se dizer, afirma McDougall, que sob outras condições os afetos dos seres humanos dificilmente chegam ao nível que podem atingir numa massa, e, na verdade, é uma sensação prazerosa para os participantes entregar-se dessa maneira tão ilimitada a suas paixões e, enquanto isso, desaparecer na massa, perder a sensação de sua delimitação individual.

(…) É evidente que está em ação aí algo como uma compulsão a imitar os outros, a permanecer em harmonia com o grande número. Os sentimentos mais grosseiros e mais simples têm maiores probabilidades de se difundir dessa maneira numa massa (ibid., p. 39). Esse mecanismo de intensificação afetiva ainda é favorecido por algumas outras influências que emanam da massa. Esta causa no indivíduo a impressão de um poder irrestrito e de um perigo invencível.

Ora, observações bastante cuidadosas parecem provar que um indivíduo mergulhado por algum tempo no seio de uma massa ativa logo se encontra – devido a emanações que dela se desprendem ou a alguma outra causa desconhecida – num estado particular que muito se aproxima da fascinação que acomete o hipnotizado sob a influência do hipnotizador. (…)

“Portanto, as principais características do indivíduo que se encontra na massa são as seguintes: desaparecimento da personalidade consciente, predomínio da personalidade inconsciente, orientação dos pensamentos e dos sentimentos na mesma direção por meio da sugestão e do contágio, tendência à execução imediata das ideias sugeridas. O indivíduo não é mais ele mesmo; tornou-se um autômato desprovido de vontade.”

Na multidão, todo sentimento, todo ato é contagioso, e isso em grau tão elevado que o indivíduo muito facilmente sacrifica seu interesse pessoal ao interesse coletivo.

*GGN

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