Professor brasileiro e família são presos e deportados do México. “Nos ‘sequestraram’, nos deixaram incomunicáveis por quase 10 horas. Fui tratado pior do que bandido”, denuncia

Professor brasileiro e família são presos e deportados do México. “Nos ‘sequestraram’, nos deixaram incomunicáveis por quase 10 horas. Fui tratado pior do que bandido”, denuncia

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Estes flagrantes foram registrados no aeroporto El Dorado, Bogotá, Colômbia, dia 28 de janeiro deste ano.

No foco, uma família de brasileiros deportada sumária e ilegalmente no dia anterior pelo serviço de imigração do aeroporto internacional Benito Juarez, na capital do México.

A acusação é de que os vistos deles para entrar no país eram falsos.

No momento das fotos, estavam à espera de encaixe em voo para o Brasil.

Durante as cerca de 12 horas que durou a escala, a família ficou sob vigilância permanente de seguranças colombianos.

É visível o desconforto pelas ”acomodações”.

Ajeitam-se como podem nos “aposentos’’ disponíveis.

Na cadeira dura, Diego de Oliveira Souza (36 anos) recorre à mochila para repousar a cabeça como se ela fosse travesseiro.

A esposa Neuzianne (36), os filhos Valentim (1 ano) e Joaquim (3) e a sogra Neuza (67) usam o chão como cama, a exemplo de milhares de brasileiros forçados a dormir nas ruas de todo o País.

Sentada, Neuzianne amamenta Valentim, enquanto, deitado, Joaquim brinca com o tablet.

Noutro flagrante, dona Neuza cochila junto com Joaquim.

BOGOTÁ, AEROPORTO: CONFINAMENTO, VIGILÂNCIA E HUMILHAÇÃO

Diego e a família ficaram nessas condições no aeroporto de Bogotá até o embarque para o Brasil.

Para piorar, tiveram que ficar restritos à área que se vê nas fotos. Confinamento compulsório, mesmo.

Também não podiam circular sozinhos pelo aeroporto como os demais passageiros.

Para fazer qualquer coisa, eram escoltados por seguranças.

“Até para ir ao banheiro ou à lanchonete!”, diz, indignado, Diego, em entrevista exclusiva ao Viomundo.

“Teve um horário que o meu filho [Joaquim] chorou de fome. Naquele momento não tinha ninguém para ir comigo. Ele ficou chorando por mais meia hora”, lamenta. “Só pude sair para comprar algo para ele comer quando um policial chegou para me acompanhar.”

”Afora tudo isso, a vergonha, o vexame”, revolta-se. ”É muito humilhação andar com seguranças a teu lado, com todo mundo olhando”.

“Mas, ao contrário dos truculentos agentes da imigração mexicana, os seguranças colombianos foram cordiais, não nos trataram mal”, pontua Diego.

BOLSA DO CNPQ E ACEITE DA UNIVERSIDADE MEXICANA

Diego de Oliveira Souza é pesquisador e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Leciona na graduação e na pós-graduação dos cursos de enfermagem e serviço social.

Saúde do trabalhador é sua área de investigação.

Em 2022, após processo seletivo (edital nº 26/2021), foi contemplado com uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para pós-doutorado no exterior.

Também não podiam circular sozinhos pelo aeroporto como os demais passageiros.

Para fazer qualquer coisa, eram escoltados por seguranças.

“Até para ir ao banheiro ou à lanchonete!”, diz, indignado, Diego, em entrevista exclusiva ao Viomundo.

“Teve um horário que o meu filho [Joaquim] chorou de fome. Naquele momento não tinha ninguém para ir comigo. Ele ficou chorando por mais meia hora”, lamenta. “Só pude sair para comprar algo para ele comer quando um policial chegou para me acompanhar.”

”Afora tudo isso, a vergonha, o vexame”,  revolta-se. ”É muito humilhação andar com seguranças a teu lado, com todo mundo olhando”.

“Mas, ao contrário dos truculentos agentes da imigração mexicana, os seguranças colombianos foram cordiais, não nos trataram mal”, pontua Diego.

BOLSA DO CNPQ E ACEITE DA UNIVERSIDADE MEXICANA

Diego de Oliveira Souza é pesquisador e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Leciona na graduação e na pós-graduação dos cursos de enfermagem e serviço social.

Saúde do trabalhador é sua área de investigação.

Em 2022, após processo seletivo (edital nº 26/2021), foi contemplado com uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para pós-doutorado no exterior.

Seu sonho era fazer parte do pós-doutorado na Universidade Autônoma da Cidade do México (UACM).

O mais difícil conseguiu. Foi aceito na UACM.

Ofício de 21 de outubro de 2022, assinado pela própria reitora, a UAMC autoriza a sua estadia lá.

A mensagem (na íntegra, abaixo) destaca (o negrito é nosso):

As atividades pós-doutorais fazem da parte da pesquisa do projeto Riscos e exigências do/no trabalho em Enfermagem frente à Pandemia de Covid-19 em Alagoas. Esta investigação faz parte do edital do CNPq: Apoio à Investigação Científica, Tecnológica e de Inovação: Bolsas no exterior

O professor Diego é o coordenador da pesquisa citada.

Confirmadas a bolsa do CNPq e a autorização da UAMC, o professor Diego passou a se programar para o pós-doutoramento no México.

A preparação incluiu a família, que o acompanhou. Neuzianne, por exemplo, teve de ajeitar a sua vida profissional.

A previsão era ficar lá cerca de 40 dias.

“Imaginávamos uma grande experiência acadêmica para mim e pessoal/cultural para todos nós; por isso, a família foi junto”, explica.

“A universidade abriu as portas me receber, organizando tudo lá”, relembra. “Estávamos muito entusiasmados”.

De fato, entre as várias atividades previstas, o professor Diego apresentaria a sua pesquisa no Seminário Permanente do Centro de Estudos da Cidade, da UAMC, e daria aulas no curso Metrópoles e saúde (veja abaixo).

Nos dias 6 e 16 de fevereiro, falaria sobre A determinação social no processo saúde-doença.

Teria, portanto, que viajar no final de janeiro, início de fevereiro.

CONSULADO DO MÉXICO NO RIO: ENTREVISTAS E VISTOS APROVADOS

O professor mora em Arapiraca, a segunda maior cidade de Alagoas.

Já as entrevistas para obtenção do visto aconteceram no Consulado do México do Rio de Janeiro.

Foram agendadas para a manhã de 23 de janeiro.

Por precaução, ele, a esposa, os filhos e a sogra (acompanhou-os para ajudar a cuidar da rotina das crianças) viajaram para o Rio na noite de 22 de janeiro.

Abaixo, os horários de cada entrevista.

A do professor foi a primeira, às 10h.

O consulado fica à avenida Atlântica, nº 1.130, 5º andar, Copacabana, edifício ABC.

A família chegou às 9h30.

Mas só poderiam subir às 9h45, informaram-lhes na portaria do prédio.

Voltaram para fila na calçada.

No horário autorizado subiram.

Às 9h54min, Neuzianne pagou as taxas dos vistos.

Valor total: R$ 1.410, como mostra o documento abaixo.

Ou seja, o pagamento das taxas aconteceu antes das entrevistas.

A primeira, como já dissemos, foi a do professor, agendada para as 10h.

Seguiram-se:

Joaquim, 10h30

Dona Neuza, 11h

Neuzianne, 11h30

Valentim, 12h

Com os vistos aprovados, deixaram o consulado por volta de 12h30, 13h.

“Não me lembro com exatidão a hora da saída’’, diz Diego. “Almoçamos ali perto, já eram mais de 13h30.”

SONHO DECOLOU NO GALEÃO, DESABOU NO BENITO JUAREZ

Finalmente, marcada a data da tão sonhada viagem: 27 de janeiro.

A família madrugou no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro.

Às 3h20, check-in. Às 6h20, embarque. Às 7h30, decolagem rumo ao México, com escala em Bogotá.

Bilhetes do voo Brasil-Colômbia-México, realizado em 27 de janeiro

Catorze horas depois chegaram ao tão almejado destino.

A diferença de fuso horário é de 3 horas para menos em relação ao Brasil.

Os relógios da cidade do México marcavam 18h05 (no Brasil, 21h05), quando a família (cansada mas entusiasmada) desembarcou no aeroporto Benito Juarez.

Em minutos, porém, o entusiasmo deu lugar a uma profunda consternação.

Sem maiores explicações, Diego, Neuzianne, Neuza, Joaquim e Valentim foram retidos, presos e sumariamente deportados pela polícia mexicana de imigração,

— Em algum momento cogitou tal pesadelo?

Não, a gente se organizou muito para essa viagem. Fiz tudo com antecedência, planejado, para que nada atrapalhasse. Estranhamente, ao passarmos pela polícia mexicana de imigração, tudo veio abaixo.

— Como foi?

Fui o primeiro a passar pela polícia de imigração. Fui retido. O mesmo aconteceu com a minha família. Acusaram-nos de estar usando visto falso para entrar no México.

Nesse momento, me separaram da minha família. Eles [agentes do serviço de imigração] me levaram para um dormitório, a minha família para outro. Alegaram que precisava ter separação de gênero. Não era verdade. Minha esposa contou que no dormitório que ficou tinha homem também.

Fui revistado, todos os meus pertences retirados, inclusive celular e cadarço do tênis. Fizeram o mesmo com a minha família.

Me jogaram então no dormitório junto com contrabandistas, coiotes tentando passar para os Estados Unidos…

— O que disse aos agentes da imigração?

De pronto, já disse: Sou pesquisador, estou viajando a convite da Universidade Autônoma da Cidade do México e a serviço do governo brasileiro.

Apresentei as cartas-convite oficiais, assinadas pelas autoridades da UACM.

Disse-lhes também que poderia estar havendo algum mal-entendido.

Foram inflexíveis. Nem a idade dos meus filhos, 1 e 3 anos de idade, os sensibilizou.

Não me ouviam nem explicavam o que estava acontecendo.

Fui detido mais ou menos às 18h15, horário do México, e não dormi mais.

A última imagem que a minha esposa teve de mim foi eu sendo cercado por três policiais. Ela tentou ir atrás. Eles a impediram, e, com truculência, ficaram me empurrando.

A partir daí, a gente ficou por quase 10 horas sem se falar, sem saber o que estava acontecendo nem o que iria acontecer.

Eu só pensava nos meus filhos pequenos. Será que tinham comida? Como estava a questão das fraldas? Estavam sendo trocadas?

— Teve direito a fazer uma ligação a algum conhecido?

Não!

— Pediu para ligar para o Consulado do México no Rio de Janeiro ou que as próprias autoridades migratórias fizessem o contato com o consulado aqui?

Pedi, sim. Ignoraram.

— Foi possível contatar a UACM? Afinal, foi a instituição mexicana que o levou para lá!

Também não.

— A polícia mexicana de imigração tratou-o como bandido então?

Pior do que bandido. Porque o bandido ainda tem o direito de fazer uma ligação. Direito que nem eu nem a minha família tivemos.

Nós estávamos ali com os direitos humanos violados, inclusive os meus filhos.

Eles nos ”sequestraram”, nos deixaram encarcerados e incomunicáveis. A gente ficou totalmente desorientado.

Só às 4h da manhã do dia seguinte (horário do México), eu pude reencontrar a minha família.

Aí, já nos levaram direto para o avião, para sermos deportados para o Brasil, fazendo escala em Bogotá.

— Alguma foto do que enfrentaram no aeroporto mexicano?

Não, porque eles nos privaram de tudo, inclusive do celular.

Na hora da deportação, as autoridades mexicanas de imigração arrancaram a página do passaporte do professor Diego que continha o visto do Consulado no Rio de Janeiro. Além disso, obrigaram-no a assinar documentos sem a devida leitura.

Fizeram o mesmo nos passaportes dos pequenos Valentim e Joaquim.

Atente aos rasgos da parte inferior da montagem. Aí, estavam as páginas arrancadas do passaporte de Diego, Joaquim e Valentim, contendo os vistos aprovados pelo Consulado do México no RJ

No passaporte de sua esposa e da sogra, escreveram em letras garrafais: CANCELADO.

DESAMPARADOS POR MAIS DE 33 HORAS!

Da detenção, no México, ao desembarque, no aeroporto do Galeão, transcorreram mais de 33 horas.

É só fazer as contas de todo o sufoco:

Detenção no aeroporto Benito Suarez, no México: quase 10 horas

Trecho México-Bogotá: 4 horas e meia

Escala no aeroporto de Bogotá, que mostramos no início desta reportagem: 12 horas

Trecho Bogotá-Galeão, Rio de Janeiro: ao redor de 6 horas e meia

As autoridades migratórias do México, além de submeter Diego, esposa, sogra e filhos (de 1 e 3 anos) à violência física e psíquica, inviabilizaram qualquer tipo de apoio à família.

Inclusive é um dos pontos da carta pública de professores e pesquisadores da UAMC (na íntegra, aqui) às autoridades migratórias e aos responsáveis pela Política Externa do Governo do México:

“O corpo jurídico de nossa Universidade não pôde intervir por meio de um amparo, visto que recebemos comunicação da situação após as 8h da manhã de 28 de janeiro de 2023. Às 10h da mesma manhã, quando recebemos nova comunicação, o Sr. Diego de Oliveira Souza já havia sido deportado’’.

A carta é dura.

Nela, os professores e pesquisadores manifestam indignação pelos maus-tratos sofridos por Diego e família, violando os seus direitos humanos.

Repudiam o fato de as autoridades migratórias terem ignorado as cartas-convite oficiais apresentadas pelo professor Diego, assinadas inclusive pela reitora da UACM.

Também denunciam o desrespeito ao artigo 78 da Lei de Migração do México, que diz:

No caso de ser determinada a rejeição de uma pessoa estrangeira, a autoridade de imigração entregará uma cópia da resolução a essa pessoa e à empresa que motivou a sua chegada ao território nacional“.

As autoridades policiais, relembramos, obrigaram Diego a assinar documentos sem ler.

“É alarmante que o obrigassem a assinar documentos sem a oportunidade de lê-los e sem responder ou explicar o que estava acontecendo”, condenam os signatários da carta pública.

A UAMC foi a primeira instituição a sair em defesa do professor Diego (na íntegra, aqui).

Além da carta pública, fizeram abaixo-assinado online.

Na sequência, várias instituições brasileiras se manifestaram (leia todas aqui)

CÔNSUL EM BRASÍLIA CONVOCADO A DAR EXPLICAÇÕES

O Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, e a Embaixada do Brasil no México acompanham o caso, disseram-nos em resposta aos questionamentos que fizemos acerca do lamentável caso.

A Embaixada do Brasil revelou ainda que enviou comunicados a órgãos mexicanos, “manifestando indignação”. Também que o cônsul do México em Brasília foi convocado para prestar esclarecimentos.

Abaixo, a íntegra da resposta da Embaixada do Brasil no México ao Viomundo:

CONSULADO NO RIO NÃO RESPONDE PERGUNTAS DO VIOMUNDO

Tentamos de várias formas contatar o Consulado do México no Rio.

Os números disponíveis no próprio site não atendiam.

Deixamos mensagens no Facebook e no Twitter do consulado.

Também mandamos vários e-mails.

Inicialmente, para o endereço eletrônico geral.

Depois, três vezes, direto, para cônsul-geral Hector Humberto Valezzi Zafra.

Nenhum retorno.

Na segunda-feira da semana passada, 6 de março, o consulado, em mensagem ao professor Diego, finalmente reconheceu que o visto dele e de seus familiares eram verdadeiros.

Na prática, a declaração acima responde a primeira pergunta que fiz ao cônsul:

— Estaria o Consulado do México na cidade do Rio de Janeiro fornecendo vistos falsos?

Abaixo, reproduzo as demais não respondidas:

— O que de fato aconteceu? Por que Diego e família foram detidos e deportados?

— O que senhor cônsul tem a dizer a respeito do lamentável episódio?

— Professor Diego e família serão ressarcidos pelas perdas financeiras e emocionais?

Agora, acrescento mais duas:

— Por que o Consulado do México no Rio de Janeiro demorou 36 dias para reconhecer a autenticidade dos vistos, tirados no próprio consulado?

— Quem errou, as autoridades mexicanas de migração ou o consulado no Rio de Janeiro?

“NÃO TRATAM EUROPEU OU ESTADUNIDENSE COMO ME TRATARAM”

— E, agora, professor Diego?

Fico pensando nas pessoas que passam por situação semelhante à nossa e não têm dinheiro para comprar a comida. Sem dinheiro e sem apoio, vão passar fome. Na imprevista escala de 12 horas em Bogotá, se eu não tivesse dinheiro, nós íamos passar fome também.

— E os teus filhos como seguraram essa barra?

Ainda bem que a inocência da infância os protege. Como são bem pequenos, não entendiam o que estava acontecendo, ficaram brincando. No aeroporto de Bogotá, dormindo no chão.

Mas para mim é muito revoltante toda a humilhação vivida, a violação dos meus direitos humanos, da minha liberdade, da minha dignidade.

— Como fica o seu pós-doutorado?

Vou adiar o sonho do pós-doutorado para um outro momento, quando eu estiver recomposto.

— Pretende voltar ao México?

Pelo menos a médio prazo, de maneira alguma. Embora eu tenha feito amigos lá, a UAMC tenha aberto generosamente as portas para mim, a política de imigração do México tem um trato muito questionável com os latinos e eu não pretendo me submeter a isso novamente.

— Como ficam os danos acadêmico, emocional e financeiro?

Os danos são inegáveis. A gente estuda, faz mestrado, doutorado, faz uma carreira como pesquisador, acha que está dando um passo a mais. E, de repente, parece que estão tirando tudo de você.

Mas não retiraram, não. Eu tenho a minha família, tenho os meus amigos, tem o pessoal me apoiando.

Em função do apoio recebido de todos eles, vou seguir em frente.

Estou convencido de que autoridades migratórias do México não tratam europeu ou estadunidense da forma como me trataram, sendo latino.

*Reportagem exclusiva do Viomundo

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