Receita Federal beneficiou aliados e blindou familiares em 4 anos de Bolsonaro

Receita Federal beneficiou aliados e blindou familiares em 4 anos de Bolsonaro

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Auditores veem desmonte do órgão, que também sofre com perda de pessoal e cortes no orçamento.

Segundo a Folha, até então vista como uma das instituições mais poderosas do Estado brasileiro, a Receita Federal foi nos quatro anos de governo de Jair Bolsonaro (PL) submetida às investidas do agora ex-presidente para beneficiar aliados, blindar familiares e dar sustentação técnica a medidas de caráter eleitoreiro.

Alvejado pelo Palácio do Planalto, o órgão também perdeu suas defesas contra o Congresso Nacional e assistiu à concretização da histórica vontade de grupos de interesse de reduzir seu poder de fiscalização e cobrança, beneficiando grandes contribuintes em julgamentos administrativos.

Parte desses mecanismos está sendo revisto agora pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), sob resistências de grupos empresariais e do Legislativo.

A constante exaltação dos recordes na arrecadação federal, vocalizada por Bolsonaro e seu então ministro Paulo Guedes (Economia), contrastou com a sensação, entre técnicos do Fisco, de sucateamento e desorganização pela falta de pessoal, orçamento e governança na formalização de processos e tomadas de decisão.

O ato para ampliar a isenção tributária de pastores e lideranças religiosas, editado em agosto de 2022 pelo então secretário especial da Receita, Julio Cesar Vieira Gomes, foi um dos episódios apontados por técnicos e até por pessoas ligadas a postos de comando durante a gestão Bolsonaro como parte de uma lista de ataques ao órgão.

Procurado pela Folha, o ex-secretário discorda dessa avaliação e argumenta que as isenções e anistias às entidades religiosas foram instituídas em sucessivas mudanças na legislação ocorridas desde 2000.

“As normas de interpretação buscam facilitar a aplicação da lei, o que ajuda na prevenção e redução da litigiosidade, esforço constante em nossa gestão”, afirma.

Diz que, como órgão técnico, “composto por um corpo funcional profissional e comprometido, a Receita Federal atua com autonomia”.

Em resposta por email, ainda em 2022, a assessoria de imprensa da Receita forneceu dados que evidenciam a queda no número de servidores, o corte no orçamento da instituição e a redução na quantidade de fiscalizações tendo agentes públicos como alvo.

O órgão afirmou que “sempre buscou aprimorar seus processos de trabalho”. Procurada novamente neste ano, a instituição não quis fazer comentários adicionais.

As investidas do governo passado contra a Receita começaram em 2019, quando o então secretário especial do órgão, Marcos Cintra, passou a ser pressionado para “resolver o problema” das igrejas.

Entidades comandadas por pastores aliados de Bolsonaro acumulavam dívidas bilionárias, devido a fiscalizações que miravam o pagamento de bônus aos pastores sem o devido recolhimento de tributos.

Além de não ter acatado a ordem do Planalto, Cintra era defensor de um imposto sobre transações financeiras, nos moldes da antiga CPMF, que seria cobrado até sobre dízimo de igreja, como o então secretário relatou à Folha em abril de 2019. A declaração repercutiu mal entre apoiadores do então presidente e contribuiu para a demissão de Cintra meses depois.

A pressão em favor das igrejas continuou sob a gestão de José Barroso Tostes Neto, que assumiu o cargo na sequência. Ele chegou a ser convocado por Bolsonaro para uma reunião sobre o tema no Planalto em abril de 2020.

No encontro, incomum na rotina de um órgão técnico, Tostes ouviu de parlamentares ligados às igrejas acusações de tratamento desigual e perseguição. Ele defendeu a cobrança e disse que a imunidade tributária das igrejas contemplava impostos, mas não contribuição previdenciária.

Foi na gestão de Tostes que Bolsonaro também passou a pressionar a Receita a cooperar na missão de livrar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, de investigação sobre suspeita de rachadinha em seu gabinete quando ainda era deputado estadual pelo Rio de Janeiro.

Flávio protocolou um pedido oficial para que o órgão apurasse eventual ilegalidade no acesso e envio de seus dados fiscais ao Coaf, órgão federal de inteligência que elaborou o relatório que originou as investigações.

A apuração mobilizou cinco servidores durante quatro meses. Nenhuma irregularidade foi encontrada, mas o embate expôs a ingerência no órgão e deixou um rastro de demissões: primeiro, o então corregedor da Receita, José Pereira de Barros Neto; depois, o próprio Tostes, que resistiu a nomear um aliado de Flávio para o comando da Corregedoria.

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