Lula promove guinada na diplomacia e marca fim de ideologia bolsonarista

Lula promove guinada na diplomacia e marca fim de ideologia bolsonarista

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Jamil Chade – Em menos de uma semana, medidas de impacto adotadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva sinalizaram ao mundo uma guinada na política externa do país e uma nova inserção do Brasil no cenário internacional. ONU, OMS e entidades de direitos humanos comemoraram. Mas, nos bastidores, negociadores alertam que a retomada da credibilidade do país dependerá de ações concretas.

Ao longo dos últimos quatro anos, o governo de Jair Bolsonaro rompeu com uma postura tradicional da diplomacia brasileira em diversos temas, além de causar atritos com alguns dos principais aliados do país no exterior. Ao assumir o Itamaraty, o novo chanceler Mauro Vieira declarou na segunda-feira que ações seriam tomadas para reposicionar o país no mundo.

Mas, em apenas cinco dias, seu ministério e outros como o de Direitos Humanos, Saúde e Meio Ambiente anunciaram medidas que visavam dar uma sinalização clara à comunidade internacional de que Lula tem pressa em recuperar a credibilidade do país no exterior.

Eis algumas dessas iniciativas:

Uma revisão do posicionamento do Brasil sobre a situação entre Palestina e Israel. Em sua primeira reunião sob o governo Lula no Conselho de Segurança da ONU, o Itamaraty rompeu com o posicionamento de Bolsonaro de aliança com Israel, criticou o governo de Benjamin Netanyahu e sinalizou que vai se pautar pelo direitos internacional. Na prática, um recado de que não reconhece Jerusalem como capital de Israel e que defende as fronteiras palestinas, de acordos com os tratados.

A volta ao pacto de migrações. Durante a semana, Lula comunicou ai secretário-geral das Nações Unidas e ao diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), a decisão de reintegrar o Brasil ao Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular. Criado em 2018, o pacto estabelece parâmetros para a gestão de fluxos migratórios. Mas, antes mesmo de assumir o governo em 2019 e depois de vencer a eleição, Bolsonaro rompeu com o acordo, o que foi denunciado por entidades como uma ameaça aos brasileiros vivendo fora do país. “O retorno do Brasil ao Pacto reforça o compromisso do Governo brasileiro com a proteção e a promoção dos direitos dos mais de 4 milhões de brasileiros que vivem no exterior”, afirmou o Itamaraty, nesta semana. A decisão tinha como meta ainda mostrar ao mundo que o Brasil voltará a fazer parte dos mecanismos internacionais criados para lidar com problemas globais, algo que tinha sido rejeitado pelo bolsonarismo.

América Latina. Também em um gesto de reposicionamento, o Brasil anunciou a volta ao Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). A reincorporação do Brasil ocorre de forma “plena e imediata, a todas as instâncias do mecanismo, tanto as de caráter político como as de natureza técnica”. Lula ainda estará na Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da CELAC, que será realizada em Buenos Aires em 24 de janeiro. Aos olhos dos parceiros brasileiros na região, a postura foi interpretada como um sinal claro de que a América Latina volta a ser alvo do Brasil, que quer ser protagonista no continente. Segundo o novo Itamaraty, o país havia se transformado em um fator de instabilidade regional e virado as costas para os vizinhos.

Fora do Itamaraty, as sinalizações também apontam para uma recuperação dos ativos do Brasil no exterior e na volta aos instrumentos internacionais.

Na Saúde, por exemplo, a nova ministra Nísia Trindade destacou que sua gestão será marcada pelo respeito aos direitos humanos e ciência. Segundo ela, tudo o que não estiver dentro desse marco será revogado.

Na pasta de Direitos Humanos, o novo ministro Silvio Almeida também sinalizou que irá atender aos apelos dos mecanismos internacionais, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da ONU. O governo voltará a permitir o funcionamento dos órgãos colegiados, restabelecerá os mecanismos de prevenção da tortura e a comissão de mortos e desaparecidos. Além disso, Silvio Almeida deixou claro que irá focar seu trabalho no combate contra a violência do estado, principalmente contra afrobrasileiros, uma velha reivindicação da ONU e que ganhou força nos últimos anos.

A ofensiva brasileiro no exterior também teve como meta dar sinalizações de uma mudança profunda do governo em relação ao meio ambiente e assuntos ligados aos povos indígenas, uma cobrança da comunidade internacional.

Para isso, as seguintes medidas foram adotadas, buscando um reconhecimento também dos atores internacionais:

  • O restabelecimento do Fundo da Amazônia, permitindo a volta da participação de europeus nos investimentos para frear o desmatamento no Brasil
  • A revogação de leis que flexibilizam a mineração em terras indígenas e de proteção ambiental
  • A volta dos esforços para punir crimes ambientais
  • O compromisso por atender às metas do Acordo de Paris
  • A escolha de indígenas para chefiar a Funai e ainda comandar a nova pasta destinada aos Povos Indígenas, tanto na escolha da ministra Sonia Guajajara como o secretário-executivo, Eloi Terena.

Reações

As medidas que modificam o posicionamento externo do Brasil foram aplaudidas por diferentes instituições. Na OMS, o diretor-geral Tedros Ghebreyesus afirmou que a escolha de Nísia Trindade para a Saúde era “excelente” e que quer trabalhar com o novo governo brasileiro para ampliar a pauta sobre o acesso à saúde no mundo.

Na ONU, o Alto Comissariado para Refugiados também aplaudiu a decisão do governo Lula de retornar ao Pacto para a Migração, enquanto ativistas de direitos humanos afirmaram que estavam aliados com as decisões da nova administração em retomar mecanismos previstos nos tratados internacionais.

Mas, para muitos dentro dessas entidades, o desafio do governo Lula será agora o de transformar em políticas públicas essas promessas e modificações de atitudes. Na ONU, por exemplo, não são poucos os especialistas que lembram que muitos desses desafios já existiam no Brasil durante as duas primeiras gestões de Lula. Se avanços importantes foram atingidos, os últimos anos revelaram que a mudança não foi estrutural e, portanto, os progressos atingidos foram desfeitos.

No que se refere ao meio ambiente, governos estrangeiros também indicaram que a prova será a queda das taxas de desmatamento. Mas admitem que tais números apenas começarão a surgir em alguns meses, quando os órgãos de estado voltarem a ser operacionais.

*Uol

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