Por que o “Grupo Prerrô” simboliza um freio na capacidade de luta do PT?

Por que o “Grupo Prerrô” simboliza um freio na capacidade de luta do PT?

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Em meio a mais um ano eleitoral mergulhado na crise política, econômica e social do Brasil pós-Golpe de 2016, a discussão sobre os rumos da política das camadas populares que foram estas efetivamente os verdadeiros alvos do Golpe segue um dos debates mais acalorados do Brasil e de uma riqueza enorme em causas e consequências ainda pouco exploradas pelos setores mais críticos da política brasileira e sul-americana. Esta discussão em grande medida é realizada por alguns setores isolados cujas vozes são constantemente abafadas como é o caso do Partido da Causa Operária ou mesmo acadêmicos de linha mais crítica como Alysson Mascaro.

Não devemos, em primeiro lugar, analisar este quadro de forma simplista. Nem da parte de quem aponta os erros e nem daqueles que são os apontados. Este debate exige a atenção condizente com as contradições dialéticas que ele suscita. O chamado “Grupo Prerrogativas” ou “Grupo Prerrô” tornou-se célebre no Brasil em anos recentes quando um coletivo de artistas, professores, advogados e juristas se uniram para defender a Democracia em um momento crítico do país, ou seja, quando as engrenagens de um grande Golpe se armavam partindo de vetores não tão tradicionais na politicagem de guerra da Direita, ou seja, a Justiça. Este fenômeno que é estudado há anos recebe o nome de Lawfare. Subproduto de artigos militares do Pentágono, o Lawfare – que é um neologismo de Law (lei) e Warfare (guerra) – consiste numa estratégia de manipulação do Status quo político de uma determinada sociedade partindo de instituições de estado cuja fama pública superficial é de uma aura de suposta “imparcialidade”, ou seja, os juízes e promotores são eles próprios os agentes políticos que conseguem incidir e manipular o jogo político utilizando-se dos próprios dispositivos legais sem que isso desperte a ideia de que algum abuso de poder esteja em funcionamento.

O Lawfare é uma estratégia engenhosa que surgiu como alternativa dos grandes núcleos de poder político e econômico para deter o controle da sociedade diante da desidratação dos mecanismos tradicionais de repressão. O Lawfare se vale muito também de uma aliança com outros setores como os grandes veículos monopolistas de comunicação e as Big Techs que juntas formam uma engrenagem que atacam os direitos básicos mas amortecem os ânimos, uma vez que a própria evolução dos meios de comunicação de massa também permite uma capacidade das camadas exploradas da sociedade se organizarem e demonstrarem o seu descontentamento diante da crise social e econômica que se aprofunda no mesmo ritmo do avanço da crise do Capital. Embora estratégia engenhosa e que possui ainda muito êxito em sociedades cujos indivíduos não possuem a oportunidade de realizar uma leitura crítica da realidade, o Brasil mostrou através das denúncias e inconsistências da Operação Lava Jato e do Golpe de Estado de 2016 que estas manobras, se mal calibradas, podem sim sofrer repúdio popular.

O Brasil é certamente um dos palcos onde o Lawfare representou uma das operações mais complexas já vistas. Acredita-se que nem mesmo o próprio Imperialismo contasse com o fato de que o Lawfare perdesse torque em menos de uma década no Brasil. Neste sentido, devemos celebrar o ativismo dos integrantes do Grupo Prerrogativas que, diante de conhecimento técnico identificaram estes abusos e promoveram diálogos de alto nível para articular uma resistência que, embora voltada a um nicho reduzido de especialistas, contribuiu para o caldo de enfraquecimento da Operação Lava Jato em círculos acadêmicos e quem sabe até mesmo dentro do próprio sistema de Justiça brasileiro embora penso que os agentes partícipes do sistema não necessariamente se movem por arrependimentos de cunho moral mas por pressões ascendentes, ou seja, que brotam da própria crise social decorrente da manobra de guerra. Muito provavelmente a Operação Lava Jato no Brasil sofreu um pequeno refluxo em meio à incapacidade de pacificar o país e não por “suposto” reconhecimento que um violento Lawfare foi aplicado. Compreender isso, aliás, é fundamental para entender o que se segue na análise.

Então por que devemos refletir o “Grupo Prerrô” na atualidade? Esta reflexão não deve ser apenas por este coletivo não ter conseguido romper a bolha do juridiquês e dialogar com as amplas massas mas por este também se colocar no papel de tentar “pacificar” um quadro cuja pacificação é improvável senão impossível no quadro de acirramento das tensões no Brasil e no Mundo. Jamais devemos deixar de levar em consideração que a situação dos antagonismos sociais na era contemporânea atingiram níveis alarmantes que não serão superados mediante um diálogo amigável e pacífico. O quadro no Brasil e no Mundo caminha a passos largos para uma crise de características eminentemente revolucionárias de modo que promover o diálogo de amplos setores de espectros políticos antagônicos se não uma ingenuidade política, representam o encobrimento de tensões sociais. Por que deveríamos encobrir a realidade de que as lutas sociais estão em progresso? Há espaço para “emular” uma paz duradoura? A quem interessaria renovar esta mitologia?

Mas outro grande pomo da discórdia é a forma como dentro destes esforços de pacificação existe a crença de que as eleições, na ordem atual, seriam algo como “redentoras”. Neste sentido, é um verdadeiro acinte que o Grupo Prerrô tenha se colocado no papel de aproximar a candidatura de Luís Inácio Lula da Silva de seu atual vice na chapa do PT, o ex-psdebista Geraldo Alckmin. Esta não é uma reclamação fortuita e muito menos moralista. Esta é a constatação de um novo Golpe em andamento, ou seja, o Golpe do Golpe do Golpe. Além de haver uma natural crença de que as instituições seriam “neutras”, subentende-se que o Grupo Prerrô acredita que os mesmos grupos políticos que aplicaram o Golpe de 2016 teriam se “arrependido” diante da ascensão do fascismo e que, agora, estarão dispostos a ceder espaço para o campo popular.

Um erro de cálculo político sem paralelos. Me pergunto às vezes se foi mero acidente. Alguém poderia alegar que nadar contra a maré não é a vocação histórica do Partido dos Trabalhadores desde a sua essência. Segundo os historiadores do PT, o partido jamais se colocou como um Partido revolucionário e sim um partido de Centro com inclinações populares. De fato isso é verdadeiro de modo que o que acontece hoje com o PT não é absolutamente nada de novo. O próprio Lula é uma personagem ambígua da História do Brasil, algo como um Getúlio Vargas do ABC paulista. Então qual a surpresa?

O fato do Partido dos Trabalhadores não ter nascido com o propósito de questionar o sistema não significa estarmos diante de uma lei da física como a gravidade, por exemplo. O Partido dos Trabalhadores é um grupo histórico e como qualquer grupo histórico está à mercê das transformações dialéticas da História. Sempre menciono com amigos o fato do Partido ter perdido uma grande oportunidade de promover uma limpeza política e ideológica após o Golpe de 2016. Não se trata de “fazer autocrítica” como gostavam os detratores do PT mas, a nível interno, ter puxado as rédeas para momentos extremamente graves que se avizinhariam e que ainda se avizinham. Mesmo porque, há análises que colocam em dúvida a ação de alguns quadros do próprio Partido no processo do Golpe de Estado. Mas, ao que tudo indica, existem vetores no PT que permanecem na luta para impedir uma inflexão à esquerda.

A posição de Geraldo Alckmin, grande opositor histórico do PT agora como vice de Lula surgiu em primeiro lugar de conjecturas políticas oriundas da própria imprensa monopolista, ou seja, “fofoca da mídia”. Como toda e qualquer mentira, “repita-a 100 vezes e ela se tornará uma verdade”, já diria Goebbels, figura nefasta do partido Nazista. Eis que para a surpresa de muitos militantes, muitos dos quais passaram noites em claro na defesa de Lula nos acampamentos “Lula Livre”, o PT anunciou num “jantar de gala” que aceitava a proposta de aproximação com Alckmin. Havia ali a ideia de que um grande acordo de pacificação do Brasil estava sinalizado. É impressionante como a Burguesia tem a capacidade de dar um Golpe de Estado bastante caro do ponto de vista financeiro e político que contou com apoio de um esquema internacional de poder para, em tempo recorde, se arrepender depois. Como acreditar nisso?

Mas mesmo que o Partido dos Trabalhadores e o próprio Lula reconheçam a gravidade que é enfiar Geraldo Alckmin na campanha eleitoral, há sempre uma ideia de que este é um “mal necessário” e até “temporário”, afinal para que se possa garantir a viabilidade do retorno ao Executivo é necessário ceder. É a famosa lógica do No pain, no Gain. O problema é que Política não é academia de ginástica. Em primeiro lugar, normalizar que a escalada ao poder executivo do Brasil exige acordos desta natureza é normalizar e perpetuar a problemática História do Brasil porque acreditavam os historiadores que acordos espúrios de poder simbolizavam um Brasil violento e atrasado como, por exemplo, a política do Café com Leite. Que melhor momento de colocarmos esta discussão em voga como os dias atuais, em especial após o Golpe de 2016 que colocou a Constituição de 1988 (a Constituição da redemocratização) em dúvida? Mas não. Mais uma vez esta discussão foi colocada em segundo ou até terceiro plano. Ou não aprendemos com a História ou aprendemos, mas fingimos que não aprendemos e empurramos a situação para a próxima geração. Não me parece nem um pouco inteligente esta última postura.

Mas ser ou não ser inteligente, ou seja, posar de intelectual como gostam os ideólogos da Academia não é o foco aqui. O foco é saber estrategicamente o que estamos fazendo. Pra isso, faço das minhas as palavras do professor e filósofo do direito Alysson Mascaro numa recente entrevista ao TV 247: “o que mudou foi a estratégia da burguesia e nada garante que não haja um golpe no ano que vem”. Mascaro é enfático ao dizer que o ódio da Burguesia não acabou e prossegue: “Fazer de Lula o Tancredo Neves e de Geraldo Alckmin o José Sarney é o processo que está acontecendo”.

Não há sentido algum em promover “a união de amplos setores” no Brasil. E mesmo que o Partido dos Trabalhadores considere ser um movimento estratégico, erra de forma vergonhosa ao não dar atenção à sua própria História recente. Não é apenas dar a oportunidade da Burguesia aplicar a estratégia “Tancredo Neves”, é repetir os mesmos erros que levaram o PT a ser golpeado em 2016 e ainda com requintes de crueldade porque Geraldo Alckmin há menos de três anos atrás dava exemplos grotescos de ódio contra Lula e PT em declarações públicas. Isso é público e notório, qualquer pessoa pode consultar estes dados na internet. Como fechar os olhos pra isso?

Ademais, é possível que a Burguesia tenha mudado sua perspectiva sobre Lula. Existem vários indícios disso. O cálculo dos golpistas talvez seja o fato de que, embora Lula tenha uma imensa capilaridade junto às camadas mais pobres do Brasil, deixá-lo voltar ao poder em nada significará uma ameaça pois, tendo Alckmin como vice-presidente, na correlação de forças quem terá ascendência no poder executivo será Geraldo Alckmin – um politiqueiro tradicional muito bem relacionado com os mercados financeiros e com a podridão do Congresso Nacional – o mesmo Congresso que deu sequência a uma manobra ilegal contra a ex-presidenta Dilma Rousseff. Reparem que estamos diante da situação em que Geraldo Alckmin é quem usa Lula como veículo para ascender ao poder e não o contrário. É esta a discussão que devemos fazer e não achar que a Burguesia está mais “light”, “arrependida”. Isso é entregar a classe trabalhadora de bandeja na mão dos setores que exploram a nossa sociedade.

Quando ouço falar de “Grupo Prerrô” a primeira coisa que me vem à mente é esta infeliz tragédia da “união de amplos setores” pela Democracia. Uma ilusão extremamente indigesta. É por este motivo que este grupo, embora importante em anos anteriores na denúncia do Lawfare dentro da intelectualidade, representa hoje um grande freio na capacidade de luta do Partido dos Trabalhadores. Mas devemos considerar que este não é uma situação definitiva, caberá às bases do PT manter uma agitação política permanente nas ruas mesmo após uma possível eleição de Lula pois, se acharmos que a vitória de Lula pura e simplesmente é a derrota do Golpe de 2016 estaremos caindo na armadilha da Burguesia. É necessário compreender que estamos diante de um cenário que vai nos exigir atenção constante.

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One thought on “Por que o “Grupo Prerrô” simboliza um freio na capacidade de luta do PT?

  1. jorge idem de silva
    agosto 6, 2022 at 5:33 pm

    LAWFIRE: covardia hedionda e abjeta, executada pelos estritos interesses americanos contra as riquezas e politicas sociais dos brasileiros. Quando as próprias elites nacionais [DES]conhecem e somente interessadas nos LUCROS admite-a festiva e heroicamente. O Povo TBM ignorante e [DES]politizado, cega e fielmente seguindo o ‘divinal pastoreio’ que, leva-o a [SUB] missão psíquica e condição de dativo da sua MISERAVEL sobrevida financeira, além de ‘massa ungida’ para manobras politicas e plateia de plantão para apoiar as DESTRUIÇÕES de suas próprias classes. Enquanto a PARTE DO LEÃO cabe aos interesses externos, as migalhas são das elites [IN] competentes e AINDA herdando ‘capitanias hereditárias’ e, ‘last but not laest’, para os pobres, desempregados e ‘POBREricos’ a CERTEZA que, através de suas LUTAS em prol de desenvolvimentos da burguesia, ASPIRAM no presente e AINDA CONQUISTARÃO, no futuro utópico e ‘ad eternum’, o ‘reino’ relatado nos ‘sagrados escripts’, em detrimento do seu bem estar existencial, certo?

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