PF investigará Moro por fraude eleitoral; o político é tão ruim como o juiz

PF investigará Moro por fraude eleitoral; o político é tão ruim como o juiz

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Reinaldo Azevedo – O ex-juiz Sérgio Moro e sua “conja”, Rosangela Moro, passaram à condição de investigados sob a suspeita de fraude eleitoral. O inquérito será conduzido pela Polícia Federal. Se considerados culpados, podem ser condenados a até cinco anos de prisão e ao pagamento de 5 a 15 dias-multa, conforme dispõe o Artigo 289 do Código Eleitoral, a saber:
“Art. 289. Inscrever-se fraudulentamente eleitor:

Pena – Reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.

A decisão é do promotor Reynaldo Mapelli Júnior, do Ministério Público Eleitoral de São Paulo. Mas qual é mesmo o busílis? A transferência de Curitiba para São Paulo do domicílio eleitoral da dupla. Como é público, notório e amplamente conhecido — muito especialmente pela Justiça —, o casal mora em Curitiba e lá têm todos os seus vínculos, inclusive os de trabalho.

As justificativas apresentadas pelos dois ao Ministério Público Eleitoral para tentar comprovar vínculos com a cidade de São Paulo não convenceram o promotor Mapelli Júnior, que decidiu ser necessária a investigação. Ele expõe os motivos em 19 páginas. Creiam: a tal “vergonha alheia” dá as caras quando a gente lê. E olhem que se trata de dois advogados — um deles é ex-juiz…

A apuração do Ministério Público Eleitoral teve início com a apresentação de notícia de fato formulada pela empresária Roberta Moreira Luchsinger. Ela elencou fatos amplamente noticiados pela imprensa que apontam para eventual transferência fraudulenta de domicílio eleitoral tanto de Moro como de Rosangela. As respectivas defesas enviaram ao promotor as explicações, mas este as considerou insuficientes. Escreveu:
“As explicações apresentadas por SERGIO FERNANDO MORO e ROSANGELA MARIA WOLFF QUADROS DE MORO, nesta fase de cognição sumária e prevalência do princípio do in dubio pro societate – compreendido como o interesse da sociedade em investigar supostos fatos criminosos quando presentes indícios de autoria e materialidade -, não convencem, impondo-se a necessidade de aprofundamento das investigações para melhor compreensão dos fatos.”

E é por isso que a PF vai entrar na jogada. E quais explicações não convenceram? Vamos ver.

1: Contrato de locação de última hora
Moro apresentou como única evidência de seu vínculo com a cidade de São Paulo o contrato de locação de um imóvel, firmado por Rosângela no dia 28 de março. Ela mudou seu domicílio eleitoral no dia 29; ele, no dia 30. Entre outras coisas, o promotor quer que as condições desse contrato sejam investigadas para saber se ele traduz uma realidade de fato: afinal, o casal mora em São Paulo?

E é nesse ponto que a dupla acabou dando, parece, um tiro no pé.

2: Vínculo efetivo com a cidade de São Paulo
O promotor observa que a jurisprudência da Justiça Eleitoral, com efeito, não restringe o domicílio eleitoral ao domicílio civil. Outros vínculos são considerados: afetivo, familiar, profissional, comunitário etc. É o que está no Artigo 23 da Resolução 23.659/2021. Ocorre que a largueza e a fluidez do conceito de vínculo não justificam o vale-tudo.

O promotor nota que duas exigências se fazem necessárias, segundo a lei, para que se evidencia o domicílio eleitoral:
1: que o vínculo seja real — vale dizer: não poder ser um mero drible na legislação;
2: que exista ao menos há três meses no momento da transferência.

Ainda que seja público e notório que o casal mora em Curitiba e que por lá fez a sua carreira, a dupla alega os tais “vínculos” com São Paulo. Quais?

VÍNCULOS DE MORO COM SP, SEGUNDO MORO
– recebeu a Ordem do Ipiranga, no grau Grã-Cruz;
– recebeu títulos cidadão honorário das cidades de Sorocaba, Rio Grande da Serra e Itaquaquecetuba;
– trabalhou na Álvarez & Marsal, que tem escritório em São Paulo;
– usou um quarto do Hotel Continental como seu escritório político.

Está constrangido, leitor? Moro não!

O promotor observa:
“Pelo menos nesta fase investigatória, quando ainda não foram ouvidas testemunhas e colhidos eventuais elementos comprobatórios complementares, não se pode aceitar o fraco argumento de SERGIO MORO de que tem vínculo com a cidade de São Paulo porque recebeu honrarias conforme os documentos que apresentou — a da Grã-Cruz da Ordem do Ipiranga é condecoração do Estado, e as demais de outras cidades paulistas, não de São Paulo/SP (Sorocaba, Rio Grande da Serra e Itaquaquecetuba) — ; ou que foi contratado pela empresa Alvarez & Marsal — trata-se de empresa para qual prestou serviços por curto período nos Estados Unidos, que tem sede em Nova York, sendo irrelevante por óbvio que tenha um escritório na cidade de São Paulo –; ou ainda que possivelmente participou de algumas reuniões políticas no Hotel Continental da Alameda Santos nº 1.123/1.135 (foram juntados uma Declaração sobre as reuniões, que teriam ocorrido de dezembro de 2021 até março de 2022, e alguns recibos de serviços de quartos, documentos que precisam ser objeto de investigação, porque não definitivos).”

Que se note: mesmo apontando essas “ligações” com São Paulo, Moro se limitou a apresentar o tal contrato de locação celebrado por sua mulher como vínculo único com a cidade. Alegou dificuldades técnicas, o que também será investigado.

Vínculos de Rosângela em SP, segundo Rosângela
E os vínculos de Rosângela Moro com o município de São Paulo? Quais seriam? Pois não! Escreve o promotor:
“parece muito frágil a argumentação de que ROSANGELA teria vínculo com São Paulo/SP por desenvolver trabalhos com a CASA HUNTER desde 15/12/2016, conhecida associação brasileira de defesa de pessoas com doenças raras e deficiências (foi juntado o Contrato de Prestação de Serviços Advocatícios), de nada valendo, inclusive, a autoria do livro “Doenças raras e políticas públicas: entender, acolher e atender”, publicado pela Editora Matriz em março de 2020, conforme se comprova em pesquisa na rede mundial de computadores, porque o que a legislação eleitoral exige é efetivo vínculo com a cidade, o que, também em relação a esse ponto controverso (trabalho para empresa com sede paulistana), precisa ser apurado em investigação voltada para a verdade dos fatos.”

Vocês entenderam direito: domicílio eleitoral parece ter virado, para Moro e sua turma, algo tão arbitrário como a competência de Curitiba para julgar o que lhe desse na telha quando ele era juiz da 13ª Vara Federal. Vejam ali: Rosângela é advogada de uma entidade com sede em São Paulo, e isso já criaria “vínculo”.

O promotor observa que ambos são “reconhecidamente moradores, advogados e políticos na cidade de Curitiba/PR” e que “fizeram diretamente no sistema informatizado do Cadastro Eleitoral a transferência do domicílio eleitoral para eleitoral para a 5ª Zona Eleitoral de São Paulo – Jardim Paulista, usando, tão-somente um contrato de locação de uma unidade do prédio situado na Rua João Cachoeira nº 292, assinado pouco antes, evidentemente com a finalidade de comprovar local de moradia como justificativa para a escolha do Município de São Paulo”.

E vai adiante: “Ali dizem morar, como consta, inclusive, da procuração outorgada aos ilustres advogados — , situação que, por si só, exige uma investigação criminal para verificar se a inscrição foi fraudulenta ou não, porque conduta tipificada como crime eleitoral (artigo 289 do Código Eleitoral), inclusive considerando a aparente fragilidade dos demais vínculos alegados a posteriori (…).”

Vínculo mínimo de três meses
O procurador Mapelli Júnior lembra que o vínculo mínimo de três meses é exigência explícita da legislação, conforme Artigo 38, Inciso III, da Resolução 23.659 do Tribunal Superior Eleitoral, que remete ao Artigo 8ª, Inciso III, da Lei 6.996.

No documento oficial para o novo domicílio eleitoral, reitere-se, o casal apresentou apenas o contrato de locação, celebrado na véspera e antevéspera das respectivas transferências.

Tal juiz, qual político?
Não é o caso de contrastar a severidade do então juiz Moro com as, como a gente pode chamar?, licenciosidades do político Moro. E não faço tal contraste por uma razão simples: eu não considerava o juiz Moro Severo. Entendia — e os julgados do Supremo me deram razão — que ele praticava atos ilegais, que é o oposto da severidade.

Parece-me, assim, que o político Moro, a exemplo do juiz Moro, lê a lei segundo a sua conveniência. Não sei se sua candidatura, se houver, será indeferida. Digam aí: contrato de locação de dois dias caracteriza domicílio eleitoral? Recebimento de comendas e títulos de cidadão e reuniões em um hotel evidenciam vínculo com a cidade de São Paulo? Se a resposta for “não”, Moro e Rosângela cometeram crime, segundo entende a jurisprudência, mesmo que não se candidatem. O bem tutelado, como lembra o promotor, é o Cadastro Eleitoral, que não pode ser fraudado. Ainda que, na sequência, o casal vá tomar um Chicabon em vez de disputar eleição.

Concluo
E o que disse Moro, agora que será investigado pela Polícia Federal? Preferiu atacar Lula, como se o ex-presidente fosse responsável pela história que contou à Justiça Eleitoral. Escreveu no Twitter:
“Nada há de ilegal com meu novo domicílio eleitoral. É um direito de todo brasileiro mudar. Sem problemas, prestarei todas as informações necessárias. Agora, é estranho esse questionamento enquanto a candidatura de um condenado em 3 instâncias seja tratada com naturalidade.”

Como se nota, ele finge que o STF, que anulou as condenações de Lula, declarando-o um juiz incompetente e suspeito, não está entre as “instâncias” da Justiça. E por que o tribunal assim procedeu? Porque parece que o juiz Moro era tão heterodoxo como o político Moro no que diz respeito ao apego à lei.

*Com Uol

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