Quando a vulnerabilidade extrema atinge uma parcela altíssima da população, aberrações jurídicas que criminalizam a fome não podem ser minimamente toleradas.
Escrevo o título do meu artigo de hoje inspirado nas palavras do Defensor Público do Rio Grande do Sul, Marco Antonio Kaufmann, que no mister de sua profissão, se viu perplexo ao se deparar com uma apelação, proposta pelo Ministério Público daquele Estado, na qual se pedia a reforma da decisão de 1º Grau que havia absolvido, sumariamente, pessoas que, no desespero, haviam adentrado ao pátio de um supermercado e extraído, da área de descarte, alimentos vencidos.
Confesso que chega a ser difícil alcançar qualquer raciocínio viável no intuito de compreender os motivos que levaram o MP gaúcho a se empenhar na condenação daqueles que roubavam algo considerado lixo (alimentos vencidos) para a sociedade.
Com todas as vênias, para me valer aqui das palavras usadas nos distintos Tribunais pertencentes ao Judiciário espalhados pelo Brasil, acredito que seria muito, mas muito mais digno ao MPRS conhecer a situação de vulnerabilidade das famílias e procurar cobrar as entidades públicas a proteção social que lhes é devida. Falta de sensibilidade e empatia, para dizer o mínimo!
Ao nos depararmos com tamanho absurdo, só nos resta concluir que o sistema penal está completamente falido, que as garantias fundamentais não mais existem e que o ser humano, o pobre, não tem mais nenhuma proteção estatal. Tristes tempos!
Sabe-se que, não é de hoje, a triste criminalização da pobreza, mas em tempos de pandemia, inflação, fome e grave crise econômica, a prática ganha viés de crueldade ao se criminalizar, também, o desespero.
Em um país em que o descarte é defendido judicialmente em detrimento da fome, não se enxerga mais esperança.
*Requiao Filho, advogado, é deputado estadual pelo MDB do Paraná.
*Por Esmael Morais