Ao votar nesta quarta-feira, 24, pela absolvição do ex-presidente e ex-senador Fernando Collor de Mello das acusações de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes fez duras críticas ao uso das delações premiadas pela finada “lava jato”.
Na quinta passada, o Plenário do STF formou maioria para condenar Collor por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Com o voto nesse sentido do ministro Dias Toffoli na sessão desta quarta, a corte também consolidou sua posição quanto à punição por organização criminosa. O julgamento será concluído nesta quinta-feira com o voto da presidente do STF, ministra Rosa Weber, segundo o Agenda do Poder.
O voto do ministro Edson Fachin, relator do caso, foi seguido na totalidade pelos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Dias Toffoli. André Mendonça votou pela condenação do ex-presidente por corrupção e lavagem de dinheiro, mas pela absolvição quanto ao pertencimento a organização criminosa. Kassio Nunes Marques e Gilmar Mendes divergiram, opinando pela absolvição do político em todos os crimes. Fachin estabeleceu a pena de 33 anos, dez meses e dez dias de prisão. Os demais integrantes do Supremo ainda não se manifestaram sobre a penalidade.
Em seu voto, Gilmar afirmou que a acusação de que Fernando Collor recebeu propina em troca de favorecimento à empreiteira UTC Engenharia junto à BR Distribuidora era baseada apenas em relatos e documentos produzidos unilateralmente pelos delatores da “lava jato” Alberto Youssef, doleiro, Rafael Ângulo Lopez, funcionário de Youssef, e Ricardo Pessoa, dono da UTC.
“Youssef fez as vezes de um delator de estimação” dos lavajatistas, disse o ministro, citando texto do jornalista Reinaldo Azevedo. O magistrado apontou que o doleiro firmou três “generosos” acordos de delação premiada com procuradores de Curitiba, que foram homologados pelo ex-juiz Sergio Moro: dois no “caso Banestado”, que foram descumpridos, e um na “lava jato”. Enquanto isso, ressaltou ele, os adversários políticos da República de Curitiba receberam prisões preventivas alongadas, condenações sem provas e conduções coercitivas exageradas.
“Causa perplexidade, para dizer o mínimo, o longo histórico de relacionamento entre um doleiro, responsável pela evasão de cifras bilionárias, e o ex-juiz Sergio Moro e o agora inelegível Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da ‘lava jato’”, afirmou o decano do Supremo.
Recentemente, Youssef teve sua prisão preventiva decretada pelo juiz Eduardo Appio, que está afastado da 13ª Vara Federal de Curitiba, devido ao descumprimento de seu acordo de colaboração premiada. Gilmar mencionou que Dallagnol demonstrou “agitação e desconforto” com a decisão.
“Sintomaticamente, a demonstrar no mínimo leniência com os crimes de Youssef, Dallagnol saiu em defesa do doleiro, alegando um suposto abuso de poder do magistrado”, citou o ministro. Ele também disse ser “vergonhoso” para o Poder Judiciário que a soltura de Youssef tenha sido ordenada pelo desembargador Marcelo Malucelli, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Ele é pai do advogado João Eduardo Malucelli, sócio de Moro em um escritório de advocacia.
Já Ricardo Pessoa ficou preso preventivamente de novembro de 2014 a abril de 2015. “Está muito claro que as prisões alongadas eram feitas para se obter delações”, declarou Gilmar. Para corroborar sua afirmação, ele citou mensagens da “vaza jato”. Em um dos casos, em junho de 2015, o procurador Orlando Martello perguntou ao colega Carlos Fernando dos Santos Lima “qual foi a estratégia de revelar os próximos passos na Eletrobras etc?”. Santos Lima disse não saber do que Martello falava, mas declarou: “Meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração”.
Fragilidades das colaborações
Gilmar Mendes ressaltou que a colaboração premiada é um meio de obtenção de prova. E as declarações do delator, por si sós, não servem para condenar, como estabelece o artigo 4º, parágrafo 16, da Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013).
O ministro lembrou que a 2ª Turma do Supremo já decidiu que provas produzidas unilateralmente pelo delator, como anotações em suas próprias agendas e planilhas de contabilidade interna das empresas, não são suficientes para condenação. O colegiado estabeleceu que, se o depoimento do delator precisa ser corroborado por fontes diversas de prova, documentos produzidos por ele mesmo não servem de instrumento de validação (Inquérito 3.994).
Além disso, destacou Gilmar, o ministro aposentado do STF Celso de Mello, ao fixar diretrizes para as delações, considerou ser inadmissível a “corroboração recíproca ou cruzada”. Portanto, nenhuma condenação penal pode ser fundamentada unicamente em depoimento prestado em colaboração premiada, mesmo que diversos delatores façam a mesma acusação (Petição 5.700).
Segundo Gilmar, as acusações contra Collor são baseadas unicamente nos relatos ou documentos unilaterais dos delatores Youssef, Lopez e Pessoa. E isso não basta para condenar um réu. Afinal, o colaborador tem interesse em produzir provas que agradem ao Ministério Público e gerem punições, pois é a efetividade de sua cooperação que faz com que suas penas sejam diminuídas, analisou o ministro, votando pela absolvição de Collor.