Empurrão do salário mínimo

Empurrão do salário mínimo

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Há impacto benéfico dos reais a mais destinados ao consumo, em particular de alimentos.

A recomposição do salário mínimo, promessa de campanha do então candidato ao terceiro mandato presidencial, será o primeiro empurrão na atividade econômica em 2024. A política de valorização real do piso, abandonada nos anos de Michel Temer e Jair Bolsonaro na Presidência, alcança trabalhadores formais e informais, servidores municipais, beneficiários da Previdência, da Assistência Social, do seguro-desemprego; altera faixas de renda para inclusão no Bolsa Família. A ênfase dos analistas nos gastos públicos, ainda que importante, quase sempre deixa de lado o impacto benéfico dos reais a mais destinados ao consumo, em particular de alimentos.

Com o novo valor, de R$ 1.412, a partir de 1º de janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva terá incrementado o salário mínimo em R$ 110, desde maio passado. O primeiro aumento, de módicos R$ 18, entrou em vigor naquele mês. Agora, virão mais R$ 92, resultado da fórmula que combina INPC acumulado e crescimento do PIB dois anos antes. A soma faz diferença no orçamento familiar dos mais pobres. Para ter uma ideia, o preço do botijão de gás de 13kg varia de R$ 90 a R$ 120 Brasil afora; no Rio, R$ 50 compram 1kg de alcatra em bifes.

Segundo o Dieese, o novo mínimo será suficiente para comprar quase duas (1,87) cestas básicas em São Paulo. Será a maior proporção desde 2020. Se o dinheiro for mesmo, prioritariamente, para a compra de alimentos, supermercados e feirantes não terão do que reclamar. Multiplicado por 13, para quem tem décimo terceiro nos rendimentos vinculados ao piso, o ganho anual será acrescido de R$ 1.196. O Dieese estima que 59,3 milhões de brasileiros tenham renda atrelada ao mínimo.

O instituto calculou em R$ 69,9 bilhões o impacto do novo mínimo na economia; R$ 39,7 bi retornarão aos cofres públicos na forma de impostos. O economista Marcelo Neri, da FGV Social, há tempos estuda os efeitos das políticas públicas na atividade. O Bolsa Família é o mais proveitoso: para cada real gasto, R$ 1,78 entra na roda da economia. No Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza, a relação é de R$ 1 para R$ 1,19; no seguro-desemprego, R$ 1 para R$ 1,06. Na Previdência, menos efetiva, cada real despeja R$ 0,53.

— A valorização do salário mínimo é política expansionista. Terá impacto de redução da pobreza e da desigualdade. Até os beneficiários do Bolsa Família serão alcançados, porque as faixas de renda de referência (meio mínimo per capita ou três salários de renda domiciliar total) vão subir. Se a proporção de pobres em 2023 será a menor da História, por causa do redesenho do programa, o recorde deve ser batido em 2024 — diz Neri.

O economista vê a recomposição do piso como estratégia para empurrar o PIB, enquanto os juros básicos caem gradualmente. A Selic termina 2023 em 11,75% ao ano; no Boletim Focus, do Banco Central, a previsão para o fim de 2024 caiu de 9,25% para 9%. Em ano de eleições municipais, aumento de renda e queda do desemprego costumam melhorar o humor do eleitorado. No primeiro ano do terceiro mandato, Lula não disparou em popularidade. O aumento de R$ 18 do mínimo em 2023 foi usado pela oposição bolsonarista para criticar o presidente. Essa provocação cai por terra agora.

Há boas razões sociais e políticas para anabolizar o salário mínimo, valor que é referência na remuneração de trabalhadores com e sem carteira assinada, empregadas domésticas, beneficiários de programas oficiais. Do lado que preocupa, há o impacto nas contas públicas. A folha de salário das prefeituras tem forte vinculação ao piso, principalmente em municípios pequenos do Nordeste. Quase 14% dos empregos são remunerados com o piso. Na Previdência Social, o efeito é igualmente expressivo. Reajuste do mínimo é gasto permanente. Por isso tantos economistas chamam a atenção para o impacto fiscal. Sem arrecadação satisfatória, acaba em aumento de imposto ou endividamento. Será bem-vindo o exercício equilibrista de produzir bem-estar sem descontrole nas despesas.

*Flávia Oliveira/O Globo

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