Em Minas, Estado se defende dele mesmo e tem de torcer contra si

Em Minas, Estado se defende dele mesmo e tem de torcer contra si

Compartilhe

Por Lenio Luiz Streck

Interessante é que isso que contarei agora ocorre às vésperas do 35º aniversário da Constituição. E que envolve uma questão de princípio, para imitar um clássico de Dworkin.

Recaséns Siches tem um famoso exemplo: se é proibido carregar cães na plataforma, não estão liberados ursos e jacarés. E tampouco podemos proibir o cão guia do cego. Isto quer dizer que o textualismo pode pregar peças.

O grande problema é ser textualista em um dia e voluntarista no outro. Isso é bem normal na dogmática jurídica brasileira.

Leio na Folha de S.Paulo que o “Governo de MG defende Aécio para não receber R$ 11,5 milhões do próprio deputado”. Sim, o governo atua com seu aparato advocatício para NÃO receber. Afinal, nenhum advogado entra em um processo para perder.

Onde foi que erramos? Claro, na hermenêutica, no caso concreto do caso MP x Aécio x governo.

Explicando o imbróglio: o MP mineiro deseja cobrar de Aécio uma pequena fortuna que ele deve ao Estado de Minas. E quem defende Aécio? O próprio Estado. O mesmo Estado que, por meio da PGE (Procuradoria Geral do Estado), terá que torcer contra si. Ou não. Ou seja, para torcer a seu favor (cofres públicos), o Estado, representado pela PGE, torcerá para perder? Quer dizer… difícil de explicar. Deve ser pós-modernidade jurídica.

Ah, responde a Advocacia Geral do Estado de MG, há uma lei que diz que a autoridade (p.ex., ex-governadores) pode ser defendida pela advocacia estatal. Sim, claro que existe a lei. Inclusive no âmbito federal. Isso já aconteceu com Bolsonaro.

O que não se pode fazer é dar um drible hermenêutico na lei, fazendo com que diga o contrário do que quis dizer. jamais se poderia interpretar a lei dando-lhe o sentido inverso.

Ora, quando a própria autoridade é ré em ação movida pelo Estado, não pode receber assistência jurídica do próprio Estado. Elementar.

Isso se chama, no mínimo, conflito de interesses. Ou desperdício de dinheiro público. Desculpem-me os laboriosos membros da Advocacia Pública mineira. Mas aqui estamos em um looping interpretativo. Há limites. Já Jhering escreveu sobre a finalidade da lei (aliás, o livro tem esse título).

Qual seria a finalidade da lei que autoriza a defesa de autoridades?

Por certo não será a de defender a autoridade contra o próprio Estado.

Ou perdi uma parte do imbróglio?

*Conjur

Compartilhe

%d blogueiros gostam disto: