Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro promover um ato no Rio de Janeiro e gerar aglomerações, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou nesta segunda-feira na OMS (Organização Mundial da Saúde) que o governo vem adotando a “firme recomendação” para a população no sentido de evitar contágios. Ele ainda inflacionou o número de pessoas vacinadas e, ao pedir mais ajuda internacional para a campanha de imunização, omitiu o fato de o governo ter optado por não comprar doses em 2020 quando foi oferecido.
No fim de semana e sem máscara, Bolsonaro e o ex-ministro Eduardo Pazuello, participaram de um passeio com motociclistas que terminou com um discurso em que atacou governadores e prefeitos que decretaram restrições devido à pandemia do novo coronavírus. Segundo ele, as restrições são adotadas “sem qualquer comprovação científica”, na contramão do que dizem epidemiologistas, que recomendam medidas de distanciamento social.
24 horas depois, em uma mensagem durante a abertura da Assembleia Mundial da Saúde e diante de ministros de todo o mundo, Queiroga tinha uma outra posição sobre o que estava ocorrendo no Brasil.
“A pandemia impôs enormes desafios aos sistemas de saúde ao redor do mundo. No Brasil, investimos recursos financeiros e humanos na promoção da saúde e na retomada da economia. A isso, somamos nossa firme recomendação de medidas não-farmacológicas para toda a população”, disse o ministro.
Na OMS, o posicionamento adotado oficialmente por Queiroga de promoção de medidas de distanciamento social, uso de máscara e evitar aglomerações era visto como uma esperança de que o Brasil poderia mudar de rumo ao lidar com a crise sanitária.
Mas o discurso do chefe da pasta da Saúde também se contrasta com a aglomeração promovida por Bolsonaro, na sexta-feira, no Maranhão. Naquele mesmo dia, o estado registrava os primeiros casos da variante indiana do vírus.
Números inflacionados de vacinação
Quanto aos números nacionais de vacinação, Queiroga apresentou um cenário que não condiz com o levantamento realizado diariamente pelo consórcio de imprensa do qual o UOL faz parte.
“Hoje, nossa maior esperança para permitir o retorno gradual e seguro à normalidade é a ampla vacinação. Até o momento, o SUS já distribuiu mais de 90 milhões de doses de vacinas e vacinou mais de 55 milhões de pessoas, dentre as quais mais de 80% de indígenas”, disse o ministro na OMS.
Nos números do consórcio, porém, são 41,9 milhões de brasileiros que receberam pelo menos uma dose de imunizante. Até o momento, 20,6 milhões de pessoas foram beneficiados por duas doses.
Segundo Queiroga, o Brasil “coloca sua capacidade produtiva à disposição para aumentar a produção de meios de diagnósticos, tratamentos e vacinas para a covid-19”. Mas prefere falar em transferência de tecnologia, e não em suspensão de patentes, conforme é proposto por mais de 60 países em desenvolvimento.
“Para tal fim, devemos reforçar a cooperação técnica e a transferência de tecnologia, de modo que estamos engajados nas discussões sobre produção local e propriedade intelectual”, disse. “O aumento da capacidade produtiva global é essencial para garantirmos o acesso justo e equitativo à vacinação”, apontou o ministro.
Maior acesso às vacinas, mas sem referência à decisão do governo de não comprar doses
Queiroga também usou seus minutos diante dos governos de todo o mundo para insistir na necessidade de acesso às vacinas. Mas não citou como o governo esnobou ofertas por parte de empresas farmacêuticas durante meses.
“Temos capacidade para imunizar, de forma célere, toda nossa população, desde que mais vacinas estejam disponíveis” disse o ministro, dando a entender que a culpa não era das autoridades nacionais.
Durante o discurso, o ministro ainda acenou com uma postura de que países mais afetados pela covid-19 devem receber um maior número de doses. “Entendemos ser fundamental o uso de critérios epidemiológicos no processo de alocação de vacinas”, disse Queiroga.
Mas até hoje o governo não explicou o motivo de ter ficado de fora do lançamento inicial da Covax e o fato de que, quando aderiu, optou por se comprometer a comprar vacinas que seriam suficientes para apenas 10% de sua população, e não 50% como poderia ter o direito.
No discurso, porém, ele optou por dizer que o Brasil apoiava a Covax e que tinha “orgulho” de fazer parte da iniciativa.
O lobby brasileiro por mais doses da OMS, porém, não vem surtindo efeitos. Dentro da agência, o foco não é o de garantir mais vacinas ao Brasil, mas sim conseguir que a produção mundial chegue a um número maior de países que, até hoje, não conseguiram vacinar nem seus médicos e enfermeiras.
Reforma da OMS: Brasil é contra total independência para agência investigar surtos
Em seu discurso, Queiroga ainda acenou o apoio do governo brasileiro por uma reforma da OMS. Mas não citou como o Itamaraty foi instruído a não apoiar medidas e propostas para dar maior independência para que a agência possa agir em casos de eclosão de surtos pelo mundo.
Ao fazer seu pronunciamento, Queiroga foi vago. “Para prevenir futuras crises sanitárias, o Brasil apoia as discussões em torno de possíveis instrumentos sobre pandemias que levem em conta os processos de reforma da OMS, o papel central do Regulamento Sanitário Internacional, e a necessidade de cronograma adequado para avanços consensuais”, disse.
“Estamos hoje reunidos para unir esforços e oferecer uma mensagem de que podemos, juntos, vencer a pandemia de covid-19 e prevenir as próximas”, afirmou o ministro.
*Jamil Chade/Uol